O palácio do Sol era um lugar fulgurante. Tinha o brilho do ouro, o lampejo do marfim e a cintilação das jóias. Por dentro e por fora, tudo era resplendor e luminescência. Era sempre meio-dia, e a penumbra sombria nunca vinha turvar a claridade. A escuridão e a noite eram ali desconhecidas.
Poucos dentre os mortais teriam resistido por muito tempo àquela luminosidade imutável, mas também poucos tinham descoberto o caminho que levava até lá. Não obstante, um dia ousou aproximar-se desse lugar um jovem que, de parte de mãe, era mortal. Teve que parar muitas vezes para esfregar os olhos ofuscados por tanta luz, mas o propósito que o trouxera até ali era tão urgente que ele se manteve firme e apressou ainda mais os passos ao entrar no palácio, atravessando as portas polidas que conduziam à sala do trono, onde estava o Deus-Sol, envolto por um brilho resplandecente e ofuscante.
Ali o jovem parou, incapaz de dar mais um só passo. Nada escapa aos olhos do Sol, que imediatamente se deu conta da presença do jovem e para ele olhou com grande amabilidade. “O que te trouxe aqui?”, perguntou, “Aqui estou”, respondeu com grande ousadia o outro, “para descobrir se és ou não meu pai. Minha mãe disse que sim, mas meus amigos riem de mim quando lhes digo que sou teu filho, já que em nada disso acreditam. Contei tudo isto à minha mãe, e sua resposta foi que eu viesse pessoalmente procurar-te.” Sorridente, o Sol tirou sua coroa de luz ofuscante, para que o jovem pudesse olhá-lo sem maltratar os olhos. “Aproxima-te, Faetonte!”, ordenou-lhe. “Clímene te disse a verdade. És meu filho, e espero que também não duvides da minha palavra. Pretendo, porém, dar-te uma prova de que não minto. Pede-me qualquer coisa que quiseres e serás atendido. Como testemunha da minha promessa, vou invocar o Estige, o rio do juramento dos deuses.”
Sem dúvida, Faetonte já observara muitas vezes o Sol a percorrer os caminhos do Céu, dizendo para si mesmo com um sentimento misto de respeito e admiração: É meu pai que por ali passa!” Em seguida, punha-se a imaginar como seria estar também naquele carro, dirigindo os corcéis ao longo daquela vertiginosa trajetória com a finalidade de levar a luz ao mundo. Agora, depois de ouvir as palavras do pai, esse sonho louco estava prestes a concretizar-se. Num instante, exclamou: “Deixa-me tomar o teu lugar, pai! Não há coisa que eu mais queira. Só por um dia, por um único dia, deixa-me conduzir o teu carro.”
O Sol então deu-se conta da sua própria loucura. Por que fizera aquele juramento fatal, comprometendo-se a satisfazer qualquer desejo que passasse pela cabeça jovem e imprudente do filho? “Meu caro menino”, disse ele, “eis aí a única coisa que eu lhe teria recusado. Sei que não posso fazê-lo, pois jurei pelo Estige. Caso insistas, tenho que ceder, mas não creio que o faças. Ouve bem os esclarecimentos que tenho a fazer sobre o teu pedido. És filho meu e de Clímene. Assim, és também mortal, e a mortal algum é dado dirigir o meu carro. Na verdade, nenhum outro deus pode dirigi-lo, nem mesmo o Rei dos Deuses. Reflete sobre a trajetória que é preciso seguir. Subindo a partir do mar, o caminho é tão íngreme que os cavalos mal conseguem avançar, por mais descansados que estejam pela manhã. Ao chegar a metade do percurso, a altura é tão vertiginosa que nem eu mesmo gosto de olhar para baixo. Mas ainda muito pior é a descida, e esta se precipita de tal forma que os Deuses do Mar, à espera de minha chegada, ficam admirados ao ver que não me lanço de cabeça para baixo. Guiar os cavalos é também uma luta infindável. Sua natureza de fogo vai tornando-os mais impetuosos à medida que sobem, e só com muita dificuldade consigo mantê-los sob meu controle. O que não fariam eles contigo?
“Deves imaginar que lá em cima existem todas as espécies de maravilhas, cidades divinas cheias de coisas belas, mas nada disso existe. Terás de passar por feras e terríveis animais de rapina, que serão tudo o que terás para ver. O Touro, o Leão, o Escorpião, o grande Câncer, todos eles tentarão fazer-te algum mal, e não duvides por um só instante que assim será. Olha ao teu redor e vê quantas coisas belas existem no mundo. Escolhe uma que seja o mais profundo desejo de teu coração, e ela será tua. Se desejas uma prova de que sou teu pai, que prova melhor posso dar-te do que meus receios pela tua vida?”
Para o jovem, porém, toda a sabedoria contida nessa conversa não surtiu melhor efeito. Uma perspectiva gloriosa abria-se diante dele, que já se via orgulhosamente em pé naquele carro maravilhoso, guiando os corcéis que nem o próprio Jove era capaz de controlar. Não ligou a mínima para os perigos que seu pai lhe descrevera. Não se deixou perturbar um só instante pelo medo, nem pela dúvida sobre sua própria capacidade. Por fim, o Sol desistiu de tentar convencê-lo. Viu que toda tentativa seria inútil e, além disso, já não havia mais tempo para nada: o momento da partida aproximava-se. As portas do Leste já se tingiam de seu brilho purpúreo, e a Aurora já vinha abrindo o seu caminho cheio de luz rósea. As estrelas abandonavam o Céu, e até mesmo a retardatária estrela da manhã já se apagava.
Era preciso apressar-se, mas tudo estava pronto. As estações do ano, as guardiãs do Olimpo, aguardavam o momento de abrir as portas de par em par. Os cavalos tinham sidos preparados e estavam emparelhados ao carro. Com grande júbilo e orgulho, Faetonte subiu para o mesmo e partiu. Tinha feito sua escolha, e só lhe restava agora arcar com as conseqüências. Não que desejasse mudar alguma coisa naquela primeira corrida magnífica pelos ares. O próprio Vento Leste foi ultrapassado e deixado muito por trás.
As velozes patas dos cavalos passavam pelas nuvens baixas, mais próximas do oceano, como se estivessem atravessando uma fina névoa marítima, e depois se elevavam rumo aos ares translúcidos das grandes alturas do Céu. Durante alguns momentos de puro êxtase, Faetonte sentiu-se o próprio Senhor do Firmamento. De repente, porém, algo se modificou. O carro começou a oscilar fortemente de um lado para o outro; a velocidade se tornou muito maior, e Faetonte percebeu que não tinha mais o controle de nada. A corrida não era mais dirigida por ele, mas pelos cavalos.
Eram senhores da situação, e nada havia como controlá-los. Saíram do caminho habitual e se lançaram para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita. Por pouco não lançaram o carro contra o Escorpião; depois, em uma vertiginosa escalada, quase se arrebentam contra o Câncer. A esta altura, o pobre condutor estava quase desmaiado de terror, e então deixou cair as rédeas.
Foi o sinal para que a corrida se tornasse mais louca e avassaladora. Os cavalos voaram para o ponto mais alto do Céu, e em seguida, mergulhando de cabeça para baixo, incendiando o mundo. As mais altas montanhas foram as primeiras a queimar – Ida e Helicon, onde vivem as Musas, o Parnaso e o Olimpo, que se eleva para além dos Céus. Através de suas encostas, as chamas desceram para os vales mais baixos e planos e para as terras cobertas de florestas escuras, até que tudo passou a ser consumido pelas chamas. As fontes evaporaram-se, e os rios foram transformados em regatos. Diz-se que foi aí que o Nilo fugiu e escondeu sua nascente, que ainda hoje continua escondida.
Faetonte, que mal conseguia manter-se no carro, foi envolto por um calor infernal e uma fumaça espessa que parecia saída de uma fornalha. A única coisa que agora queria era acabar o mais rápido possível com todo aquele tormento e terror. Teria saudado alegremente a própria morte. A situação também se tornou insuportável para a Mãe terra. Lançou um grito avassalador que foi ecoar junto aos deuses. Estes, ao olharem lá do Olimpo para baixo, viram que a salvação do mundo dependia de uma ação muito rápida de sua parte. Jove pegou o raio e lançou-o contra o condutor imprudente e arrependido. Faetonte caiu morto, o carro foi destroçado e os cavalos enlouquecidos foram lançados nas profundezas do mar.
Através dos ares, Faetonte caiu como uma bola de fogo sobre a Terra. O misterioso rio Eridano, nunca visto por qualquer mortal, recebeu-o, extinguiu o fogo e esfriou-lhe o corpo. As Náiades, com pena de vê-lo morrer tão jovem e cheio de coragem, sepultaram-no e gravaram em seu túmulo:
“Aqui jaz Faetonte, que dirigiu o carro do Deus-Sol.
Foi grande o seu fracasso, mas grande também sua ousadia.”
As irmãs dele, as Helíades (filhas de Hélio, o Sol), vieram chorá-lo em sua sepultura, e foram transformadas em álamos ali mesmo, junto às margens do Eridano:
“Onde, pesarosas, vertem lágrimas eternas no leito do rio.
E cada uma delas, ao cair, cintila em suas águas
Como reluzente gota de âmbar.”