Hefestos, além de fisicamente bruto, era coxo. Representando-o assim disforme e claudicante os gregos não só faziam dele a imagem vacilante da chama, como obedeciam a um sentimento que lhes foi sempre caro: o desdém pelas artes mecânicas ou manuais.
A beleza se desenvolvia pelos exercícios ao ar livre; os ofícios, prendendo os artesãos à sombra, os enfeiavam; acresce que nas sociedades primitivas não só os ferreiros como os que praticavam as artes manuais eram geralmente indivíduos incapazes de se entregarem ao mister das armas.
Para explicar essa deformidade de Hefestos narravam os gregos que, como fosse de feio aspecto quando nasceu, sua mãe começou a odiá-lo e acabou por precipitá-lo do Olimpo.
Segundo Homero, foi o próprio Zeus quem, com um formidável pontapé, precipitou Hefestos do alto do céu, porque ele correra em socorro de sua mãe Hera que o senhor dos deuses tinha suspendido por uma perna no meio dos ares.
Ambas essas relações da queda de Hefestos descrevem a descida à terra do fogo celeste, aludindo a que a chama foi conhecida em conseqüência de um raio.
Após haver rolado um dia inteiro, Hefestos caiu ao mar mas foi recolhido pelas oceânides Tétis e Eurínome que o levaram para a ilha de Lemos onde ele implantou a sua oficina numa cratera e trabalhou alegremente durante nove anos, a bater e a plasmar o ferro, o bronze e os metais preciosos.
Nas vísceras fumegantes do Etna tinha uma outra oficina onde era coadjuvado pelos cíclopes, gigantes de um olho só no meio da testa. Os roncos do Etna, as erupções de pedra e a lenta corrente de lava eram, para os antigos, o indício da atividade subterrânea de Hefestos e de seus fuliginosos auxiliares.
Hefestos forjava os raios de Zeus e fabricava uma quantidade de objetos para os outros deuses. Amando a humanidade ele ensinou os homens a fundir os metais e produzir com eles as obras de arte; era o deus protetor dos ferreiros e de todos os trabalhadores em metal.
Hefestos podia dar vida às estátuas que fabricava; assim, de uma centelha do fogo divino ele formou a alma de Pandora, a primeira mulher, tradição que prova ser a alma humana considerada pelos antigos gregos como uma emanação do fogo divino.
A habilidade pouco comum de Hefestos em fabricar instrumentos maravilhosos é simplesmente a expressão do sentimento que experimentavam os nórdicos recém vindos, pouco conhecedores das artes metalúrgicas, ao contacto da civilização superior dos indígenas e orientais; para eles todo o ferreiro realizava obras de feitiçaria.
Cansado de trabalhar, metido sempre na lama ou no meio de uma tempestade de centelhas, Hefestos procurou um dia regressar ao Olimpo donde Hera o havia tão rudemente expulsado.
Fabricou belo trono de ouro, todo cheio de filigranas e cinzeladuras e o mandou à sua mãe. Mas, apenas sentada, sentiu-se Hera presa por mil fios invisíveis e todos os esforços dos deuses do Olimpo foram infrutíferos para libertá- la do fatal assento.
Zeus teve de mandar Hermes ao antro de Lemos para buscar o autor daquela perfídia. Hefestos concordou em libertar Hera sob a condição de voltar com todas as honras à régia morada dos deuses.
Apenas reingressado no Olimpo, ali instalou uma formidável oficina e fazia tremer com os golpes do malho e com o sopro dos foles as abóbadas de cristal do céu.
Hefestos é um deus naturalmente bonachão e sempre pronto a prestar serviços: quando a jovem Hebe resignou suas funções de copeira do Olimpo ele se ofereceu para, enquanto não se encontrasse substituto, servir o néctar à mesa dos deuses; foi então que a sua marcha claudicante despertou entre os habitantes do Olimpo este riso inextinguível de que falou Homero; esse mito se explica pela consideração de que nas comunidades primitivas o ferreiro era, ao mesmo tempo, estalajadeiro.
Sendo o amor, segundo a concepção mitológica, um distribuidor de vida e uma força análoga à chama, alguns mitos apresentam como mulher de Hefestos a Cáris, deusa da graça e da primavera, enquanto outros, mais geralmente conhecidos, consideram Hefestos casado com Afrodite, a deusa da beleza e do amor.
Não foi feliz essa união entre o disforme deus do fogo e a branca filha da espuma do mar. A deusa dos sorrisos enganou seu bruto marido com Ares, deus da guerra. Um dia Hefestos conseguiu aprisioná-los juntos numa sutilíssima rede e assim os expôs aos escárnios e risadas dos imortais.
Hefestos é um deus oriental originário da Lícia, país dos fenômenos vulcânicos; na época de Homero já havia alcançado Lemos, ilha vulcânica. Os colonos gregos o levaram para as ilhas do oeste, Sicília e Lipari.
Sobre os antigos monumentos era esse deus representado pela figura de um operário musculoso, barbado, com a cabeleira pouco tratada, envolto numa ligeira túnica que não lhe chegava senão aos joelhos, trazendo na cabeça um barrete redondo e pontudo e tendo às mãos um martelo e uma tenaz. Se bem que, segundo a lenda, fosse coxo, os artistas suprimiam esse defeito ou o mostravam apenas sensível: assim é ele representado de pé sem nenhuma deformidade aparente.
Algumas vezes se lhe põe junto um leão, cujo rugido invoca o ronco surdo dos vulcões.
Os sacrifícios que se ofereciam a Hefestos eram principalmente holocaustos: a vítima toda inteira era consumida pelo fogo. Suas festas se realizavam no mês de Agosto, no momento da canícula (no hemisfério norte é verão).”
Troppo buono