Brigith

Por Ioldanach

Brigith, A Deusa do Fogo

As lendas mais antigas dão conta que num distante dia primaveril dois sóis despontaram no horizonte para iluminar o mundo. Um deles era o velho Astro-Rei que como sempre emergiu do Leste para iniciar sua caminhada costumeira pelo céu até encontrar seu descanso no Oeste, enquanto o outro anunciava o nascimento de uma filha dos Tuatha Dé Danann.

Como fosse uma revelação do que seria o destino daquela menina no mundo e marca de sua força a casa onde nasceu ardeu até alcançar o céu numa chama de brilho imperecível nunca desfeita em pó, competindo em pé de igualdade com a luz do Sol durante o dia e até mesmo vencendo as trevas na noite.

Os que presenciaram o nascimento deste bebê de mística beleza puderam relatar de que no lugar de cabelos saiam de sua cabeça um pilar de fogo perpétuo solidificado em uma massa pétrea de cor vibrante que era como uma coroa de rubis a enfeitar ainda mais a face daquela criatura de ares sobrenaturais. Ela foi chamada de Brigindo pelos gauleses, Brigantia pelos britânicos e Brigith pelos gaélicos, sendo consagrada o seu culto pelos celtas principalmente como deusa do fogo.

Contudo, não era apenas fogo como elemento físico que representava arquetipicamente a imagem daquela divindade na medida em que os celtas tinham uma interpretação toda peculiar a respeito dos elementos da natureza. Assim, por exemplo, encaravam o fogo como uma energia espiritual latente a todas as coisas e inerente a certos processos cognitivos do intelecto humano bem como também a alguns estados emocionais como paixão, caridade, amor e etc. Nesta perspectiva, não por outra razão Brigith como deusa do fogo era vista também como uma espécie de patrona das Artes e da Poesia.

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Uma aliança inusitada surge

Ao final da guerra com os Fir Bolgs, os Tuatha Dé Danann finalmente tinham conquistado um espaço para firmar seu reino, porém, pairando sobre suas cabeças havia tanto a ameaça dos Fomorianos de virem em socorro de seu aliados (os Fir Bolgs) quanto passavam por sérios problemas ligados a buscar um sucessor ao Rei Nuada que estava, segundo as tradições dananianas, impossibilitado em continuar como monarca daquele povo por conta de seu grave ferimento em combate que rendeu a amputação da mão.

A solução para este grave problema surgiu das mãos de Dagma, regente por tantos anos dos dananianos antes de passar o poder para o jovem guerreiro Nuada, onde o velho rei sugeriu forjar uma aliança com os Fomorianos a partir do casamento de sua filha Brigith com o guerreiro Bress (filho do Rei Elethan) onde seria oferecido como dote o direito dele ser o monarca dos Tuatha Dé Danann em sucessão de Nuada.

De outro lado com este casamento é certo que Dagma garantiu de certa maneira o retorno de sua família ao poder, o que não poderia ter conseguido de outro modo seja por conta de sua idade avançada quanto não ter filhos varões ao trono. Sem esquecer o não menos importante fato que Bress abdicasse ou morresse seria Dagma a assumir a posição de regente até quando seus netos crescessem.

Ao final o que era para ser uma aliança de mera conveniência política entre dois povos inimigos terminou se revelando um amor verdadeiro entre Bress e Brigith, nascendo desta união como fruto Rúadan, Brian, Iuchar e Iurbarba. Porém, nem tudo eram flores como veremos a seguir….

Bress revela sua verdadeira face

Apesar de ter com Brigith quatros filhos, Bress fez questão de expurgar deles qualquer sinal de mácula de fraqueza por terem nascidos mestiços pelo fato de parte do seu sangue fomoriano ter sido misturado aos dos dananianos. Assim, Rúadan, Brian, Iuchar e Iurbarba foram desde cedo afastados da mãe e mesmo dos seus parentes do lado materno, sendo criados como se fossem Fomorianos.

De todos seus filhos Brigith manteve pouco contato com exceção de Rúadan que nascido fraco e franzino ficou mais tempo ao lado da mãe, desfrutando do convívio com os Tuatha Dé Danann de um modo que nunca conseguiram seus outros irmãos. Apenas na adolescência é que finalmente Rúadan finalmente passou a conviver com seus parentes paternos.

Muita embora esta tamanha hostilidade de Bress com Brigith, o fato é que ele era apaixonado por sua esposa bem como se revelou nos primeiros anos como sendo um monarca razoável dos Tuatha Dé Danann neste tempo todo que estava casado. Infelizmente com passar do tempo Bress se revelou um tirano, apenas interessado em retirar toda a riqueza de seus súditos com altos tributos cobrados em favor dos Formorianos e nem de longe preocupado com o bem estar dos Dananianos.

Como é óbvio deduzir foi uma questão de tempo para esta situação deteriorar em direção de gerar finalmente uma guerra entre os Formorianos e os Tuatha Dé Danann. Agora entre tantas morte ocorridas neste conflito houve apenas uma que foi lamentada tanto por Formorianos como os Tuatha Dé Danann, a saber o falecimento de Rúadan. Contam as lendas que a deusa traduziu em prosa e verso toda sua dor pelo filho perdido, entoando um canto fúnebre em seu enterro que além de ser considerada a mais bela poesia já escrita também era de trazer lágrimas e obscurecer o coração do mais insensível entre o seres.

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Brigith, uma Deusa que virou Santa?

Com a expansão do cristianismo entre os celtas suas antigas crenças sofreram um grande baque, porém, aquilo que não foi suprimido pelo descrédito ou eliminado brutalmente sob inspiração da intolerância religiosa dos recém-convertidos a nova fé persistiu residualmente na forma de sincretismo onde muitos deuses e deusas do panteão céltico terminam por se transformar em santos da Igreja Católica Apostólica Romana.

Neste processo de cristianização das divindades célticas um bom exemplo foi o que aconteceu com Brigith cujo o culto era muito popular que passou com a ascensão do cristianismo a ser venerada como Santa Brígida de Kildare cuja a hagiografia dá conta ter ela nascido na Irlanda por volta do ano de 450 no vilarejo de Leister em Faughart perto de Dundarlk de onde partiu muito depois para fundar o monastério de Cill-Dara em Kildare onde veio a falecer em 25/02/525. Sendo enterrada em Downpatrick ao lado de São Colombus e São Patrick , vindo posteriormente a compartilhar a condição de co-padroeira da Irlanda com estes santos.

Há a clara possibilidade de longe de ser uma mera personagem fictícia, ter sido a Santa Brígida uma homônima da Brigith deusa, porém, vemos que existem semelhanças entre a vida das duas que supera qualquer coincidência e levanta a devida suspeita de que mesmo tendo existido a Santa Brígida não resta dúvida que seus biógrafos forçaram uma barra para que as duas fossem confundidas de modo que o culto a Brigith pelos celtas fosse pelo sincretismo substituído sem problema numa forma mais aceitável de devoção pelos recém-convertidos ao cristianismo.

Assim, por exemplo, se bem a Brigith como deusa era filha de um rei (Dagma) vemos que Brígida como santa tinha como pai aquele que era o chefe do vilarejo (Dubhthach), a Santa era uma mulher dedicada a arte (chegou a fundar uma escola sob os auspícios da Igreja para o estudo da arte) e literatura (famosa especialmente como autora do O Livro de Kildare) enquanto a divindade céltica era considerada patrona das Artes e Poesia, o emblema da santa era uma vela acesa porquanto da deusa fosse considerada uma divindade do fogo e finalmente o dia santo da Santa Brígida é o 01° de fevereiro que justamente recai na mesma data quando era no passado celebrado pelos celtas um festival sagrado em honra a Brigith (Imbole)

Curioso notar ainda que uma outra santa com o mesmo nome só que de procedência sueca, a saber Santa Brígida que figura como padroeira da Suécia e co-padroeira da Europa ao lado da Santa Catarina de Siena e Santa Teresa Benedita da Cruz, também guarda suas semelhanças. Vemos, por exemplo, que ela era filha do governador da Uplândia na Suécia tal como a Santa Brígida de Kildare tinha como pai o chefe de uma vila enquanto a deusa detinha um rei como figura paterna, fundou um monastério tal como a santa irlandesa e por aí vai.