A Lenda de Ísis e os Escorpiões

Traduzido por Daniel Silva

Eu sou Ísis, senhora da magia, Senhora dos Sortilégios.

Saí de minha casa, onde meu irmão, Seth, me havia aprisionado, pois Thot me havia chamado. Thot, o duplamente grande, Thot, o senhor da justiça e da verdade na terra e nos céus. Ele me disse, quando o encontrei:

– Venha, ó Ísis, agora é bom escutar: pois há vida para o homem que se deixa guiar pelos sábios conselhos de outrem. Esconde-se tu e teu filho porque ele (Hórus) pode chegar até nossa esfera de poder. Seus membros vão crescer, e também a força dele se fará poderosa, e ele com altivez virá a ascender ao Trono de seu pai, a quem vingará, e a dignidade de governante das duas terras será de novo seu.

Fui-me quando o poderoso Rá descendia de sua gloria para o lado ocidental, e o manto da noite começava a tingir de escuridão o céu. Comigo viajavam sete escorpiões, e seus nomes eram: Tefen e Befen, Mestet e Mestetef, Petet, Tetet e Matet. Atras de mim, vinham Tefen e Befen. Mestet e Mestetef vigiavam meus lados. A minha frente iam Petet, Tetet e Metet, vigiando e protegendo o caminho para que nada pudesse atrasar minha viagem.

Eu lhes ordenei em voz alta minhas palavras, e meus comandos atravessaram o vento e eles ouviram: “Não reconheçam a nenhum da terra negra, não saúdem a nenhum das terras vermelhas, não atentem a nenhuma criatura, seja nobre, seja plebeia, mantenham-se com vossas mentes no caminho a ser percorrido.”

Então vaguei, defendida pelos escorpiões, pela terra do Egito. E assim, chegamos a Per-Sui, onde se venera Sobek, o deus crocodilo, e a cidade das Deusas Gêmeas, ali, onde começam os pântanos do Delta do Nilo, onde abundam papiros e os pantaneiros vivem e caçam.

Quando chegamos perto das casas onde vivem os pantaneiros passamos próximos a uma mansão, onde vivia uma abastada mulher, de nome Usert. Ela se achava na porta, e desde muito longe me viu cansada, dolorida e de bom grado eu teria me refeito em sua casa, mas, quando fui falar-lhe, ela fechou a porta, com medo de meus guardiões.

Continuei por meu caminho e encontrei abrigo junto a uma mulher do povo, que me concedeu hospitalidade. Porém, Mestet e Mestetef, Petet, Tetet e Matet e Befen estavam em grande consternação, devido ao tratamento da rica mulher. E uniram seu veneno sob o ferrão de Tefen, que se tornou sete vezes mais poderoso. Tefen regressou a casa da rica mulher, Usert, e se esgueirou para dentro. Uma vez lá, com sua picada poderosa ferroou o filhinho de Usert, e um fogo estranho se deflagrou. Não havia água para combatê-lo, e foi o céu que enviou a água, num grande prodígio, pois a estação chuvosa ainda estava longe.

A mulher de nome Usert, que nos havia negado abrigo, chorava, e seu coração estava triste, por que não sabia se seu filhinho seria encontrado com vida ou não. Ela estava vagando pelo povoado, chorando, mas ninguém a acudiu em seu desespero. E o som de suas lamentações chegou a mim, e meu corações se compadeceu da dor dela. Assim, resolvi trazer dos mortos seu menino, livre de toda a culpa, e juntas fomos ao local onde jazia seu filho amado. Eu disse a mulher:

– Venha, venha mim! Observa a minha boca que dá a vida, que tem o poder de destruir as criaturas vis, com os dizeres de algumas palavras, que por meu pai me foi dado a conhecer. Sou Sua filha amada, sangue de Seu sangue!

E eu, Ísis, a senhora da magia, cuja voz faz com que se retorne da morte disse em voz alta as Palavras de Poder, as palavras que pode ouvir ainda que na morte, e pus minha mãos sobre o corpo do garotinho a quem devia devolver a vida. Frio e imóvel estava seu corpo, devido ao sete vezes poderoso veneno de Tefen. Então pronunciei um sortilégio mágico contra o veneno do Escorpião Tefen:

– Oh, veneno de Tefen, sai desse corpo, e volte a terra!
– Veneno de Befen, não avances, volte a terra!
– Por que eu sou Ísis, a Grande Maga, Senhora dos Sortilégios. Pratico a Alta Magia, e me escutem vos, todos os répteis!
– Caia, veneno de Mestet!
– Decline, veneno de Mestetef!
– Não circule, veneno de Petet e Tetet!
– Não se aproximes das partes vitais, veneno de Matet!

Agora vem o sortilégio contra o veneno, oferecido por Geb à Ísis:

– Não clame aos das terras vermelhas, aponta teu olhar para as nobres senhoras que estão em suas casas até que cheguemos aos lugares onde nos proteger em Jeb, a terra de Buto. O menino viverá, o veneno vai minguar. Como Hórus se fez forte pela intervenção de sua mãe, o que foi ferido se fará forte também.

Então o menino se recuperou, e o fogo provocado na casa foi totalmente extinto, e o céu estava satisfeito com as palavras de Ísis, a Grande Maga. Usert me trouxe algumas jóias e riquezas e os levou a casa da mulher humilde, como recompensa por haver aberto a porta para mim, quando eu, cansada e dolorida pedi pouso, para refazer-me das fadigas.

E agora os homens das suas terras fazem massa de farinha de trigo e sal, depositando-a sobre as feridas infringidas pelo ferrão do escorpião, e logo recitam as Palavras de Poder que eu recitei sobre o filho de Usert quando o sete vezes poderoso veneno de Tefen estava em seu corpo, por que eu sou Ísis, a Grande Maga, Senhora dos Sortilégios.

1 comentário em “A Lenda de Ísis e os Escorpiões”

  1. Achei o texto bem rico. Me lembrei de uma coisa… O Rei Escorpião tem alguma coisa a ver com o Egito Antigo?

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