Templo de Seti 1 em Abydos

O Livro das Portas

Por Daniel Silva

Enquanto o livro dos mortos era um guia para todo o além, o Livro das Portas se ocupava de uma das passagens mais cruciais da viagem do morto pelo além túmulo: o ato de atravessar as portas guardadas por divindades hostis, para por fim navegar com o sol rumo a ressurreição.

Ele abordava um mito bem distinto dos presentes no “Livro dos Caminhos” e no “Texto do Sarcófago”, de uma tradição mais antiga, é bem provável que ligada de forma forte com o Mito Osiriano. Com o Livro dos Mortos, tinha relação mais com certas fórmulas, e em várias tumbas ou invés do Livro das Portas, existem esses encantamentos.

Além dessas diferenças de caráter religioso, temos outras mais, como a própria maneira como o livro é escrito: ela opta pela clareza, descrevendo de forma sistemática as portas, sem contar que dispensam totalmente ás longas prescrições sobre o uso do livro, que são substituídas por notações a respeito dos tipos de oferendas ao fim de cada hora. Aliás, a sua divisão guarda uma relação muita próxima com o “Amudat”, o reino noturno, a região misteriosa que Rá percorre durante a noite.

Ele é dividido em “horas”, cada uma subdivida em três “divisões”. Em termos gerais, leva uma hora para atravessar uma das portas, que são guardadas por três divindades guardiãs. O morto deve saber o nome de cada um deles, pois caso não saiba ou os confunda, ele pode ser devorado e relegado ao esquecimento.

Apesar dessas semelhanças com o Amudat, ele também guarda muitas diferenças, em especial no que diz respeito ás descrições do tribunal de Osíris, que o primeiro omite. Isso sem contar com outros detalhes, como a presença das portas que o Amudat não têm, bem como a existência de apenas dois personagens na barca solar, ou invés de três (que seriam as divindades protetoras do Deus-Sol), dentre outros detalhes.

Ao contrário de outras obras de cunho funerário, o Livro das Portas têm uma quantidade maior de personagens e divindades, mas que ou invés de serem representadas tendo papéis individualmente, eles são agrupados, sendo nomeados por agrupamento (com a notável exceção dos deuses guardiões das portas e das divindades mais importantes).

Sua primeira representação data do reinado de Horenheb, na décima oitava dinastia, mas se popularizou muito mais em fins da décima nona e na vigésima dinastia. Em tumbas de personagens não reais, era representada de forma inteiramente desordenada, inclusive ás vezes com a cena do tribunal de Osíris entre a sexta e sétima hora.

Existem somente quatro representações completas conhecidas deste texto: uma na tampa do sarcófago de Sethi I, belamente executada, com a última cena exatamente atrás da cabeça do defunto; Outra está no corredor que conduz ao interior o Templo de Abidos, concluído por Menreptah; a terceira está na tumba de Pendamenopet; e a quarta na tumba de Ramsés VI.

Todas, entretanto estão danificadas pelo tempo, sendo que o sarcófago de Sethi I está rompido em certos pontos do texto; o mural na passagem de Abidos desabou em sua parte superior; a tumba de Pendamenopet e a de Ramsés VI estão demasiado danificadas para darem uma contribuição mais ampla.

Foi do material procedente de certas tumbas que se tornou possível montar de forma concreta o Livro das Portas.