Contos do Rei Vikram e de Betaal, o Vampiro

Traduzido e Adaptado por Rafael Brito

Era uma vez um poderoso rei chamado Vikramaaditya, que governava Pratisthana, junto ao rio Godavari. Todos os dias, quando ele se dirigia à plebe, um mendigo se aproximava e lhe presenteava com uma fruta, e assim ocorreu por alguns anos, até que o rei não mais pudesse conter sua curiosidade. Há muito que o rei recebia as frutas e as entregava a seu tesoureiro, que as guardava na sala do tesouro. Ao saber da curiosidade do rei, o tesoureiro foi reportar-lhe outro fato interessante: enquanto o tesouro estava repleto de esmeraldas e pérolas, as frutas já haviam se desintegrado.

O rei, no dia seguinte, questionou o mendigo sobre o que significava tudo aquilo. Ao ouvir o rei, o mendigo pediu-lhe que antes o ajudasse com um encantamento que estava preparando. Disse ao rei que o encontrasse ao cair da décima quarta noite da lua negra, no terreno da cremação. O rei fez como pedido, e encontrou-se com o mendigo no local. O mendigo estava desenhando um círculo mágico no chão, e ao redor ecoavam os uivos de vampiros, fantasmas e outras criaturas noturnas. O mendigo pediu ao rei que adentrasse na floresta e lhe trouxesse o cadáver que estava pendurado de cabeça para baixo em uma árvore.

O rei facilmente achou o corpo, mas logo que começou a desprendê-lo para colocá-lo no chão, percebeu que ele era possuído por um vampiro, Betaal. Toda vez que o rei falava, tentando tirá-lo da árvore, o vampiro recuava. Por fim, o rei saltou silenciosamente, e conseguiu levá-lo ao solo. Então, o vampiro começou a contar-lhe uma história. Ao fim da história, ele fazia ao rei uma charada relacionada à história. Logo que o rei dava a resposta, o vampiro saltava de volta à árvore. Assim ocorreu por 24 vezes. Mas, na vigésima quinta história, a pergunta foi tão difícil que o rei não pôde respondê-la. Essas vinte e cinco histórias são muito conhecidas na literatura indiana, e recebem o nome de contos Vikram-Betaal.

Ao fim da vigésima quinta história, o vampiro informou ao rei a verdadeira intenção do mendigo: este lhe pediria que se deitasse em um pedaço de madeira, para que fosse sacrificado. Então, o vampiro disse ao rei que deixasse o mendigo demonstrar antes como o rei deveria deitar-se, e então o rei deveria livrar-se definitivamente do mendigo. E assim ocorreu. O vampiro, então, concedeu ao rei um pedido. O rei pediu-lhe que as histórias que ouvira aquela noite fossem recontadas ao longo do tempo Assim surgiram as famosas histórias de Vikram-Betaal.

Eis aqui a última das histórias, à qual o rei não respondeu. Betaal disse, “havia um rei no Sul que possuía muitos parentes, os quais ansiavam por roubar-lhe o trono. Quando isto finalmente ocorreu, o rei teve de fugir do reino com a esposa e a filha. Eles viajaram por densas florestas, até que chegaram a um local ocupado por bárbaros. O rei aconselhou sua esposa e sua filha a se esconderem atrás de um arbusto, enquanto ele enfrentava os malfeitores. Mas o rei morreu tragicamente na batalha, e a rainha e sua filha choraram copiosamente por sua morte”.

Enquanto isso, um camponês e seu filho se dirigiam à floresta em seus cavalos. Eles avistaram as pegadas das senhoras, e ficaram impressionados. O filho decidiu casar-se com a que deixara as menores pegadas, enquanto o pai se casaria com a das pegadas maiores. Por fim, chegaram ao local onde estavam a rainha e sua filha. O camponês falou suavemente com as senhoras, consolou-as, ouviu sua história e garantiu-lhes que eles não eram ladrões. O camponês e seu filho, então, levaram-nas até onde moravam, e lá contaram dos planos de casamento. Elas aceitaram, mas houve um imprevisto: os pés maiores eram da filha, e os menores, da mãe. Assim, o filho se casou com a mãe, e o pai, com a filha”.

Betaal, então, pergunta ao rei: “Qual será a relação de parentesco entre os filhos dos dois casais?”

Vikram estava estupefato, e não pôde dar uma resposta satisfatória. Assim, Betaal não pôde fugir desta vez.

 

Mais histórias de Betaal:

 

Os Três Pretendentes Fiéis

Há muito tempo, nasceu uma bela menina, Mandaravati, filha de um famoso sacerdote. Quando a garota cresceu, o pai começou a preocupar-se com seu casamento. Certa vez, vieram três rapazes solteiros, que lhe pediram a mão de Mandaravati em casamento. Cada um deles ameaçou se matar, caso a filha se casasse com outro. Assim, o pai decidiu que ela não se casaria com ninguém.

Dias depois, a filha pegou uma febre violenta, e morreu subitamente. Os três pretendentes, arrasados, cremaram o corpo de Mandaravati. Um deles decidiu ficar ali mesmo, e dormiu sobre as cinzas de Mandaravati. O outro decidiu levar seus ossos para o Ganges. O terceiro, por sua vez, tornou-se um asceta, e passou a vagar pelo mundo.

Em uma de suas viagens, o terceiro chegou à casa de um brâmane. Este, graças a um feitiço, podia trazer os mortos das cinzas à vida. Este feitiço estava em um livro que o brâmane guardava com cuidado. Mas o asceta, na calada da noite, roubou o livro e voltou ao local onde Mandaravati fora cremada. O segundo pretendente já havia voltado do Ganges com a água sagrada, e o primeiro ainda dormia sobre as cinzas.

Assim, com a ajuda dos outros dois, o terceiro pretendente recitou o feitiço e – “Vejam!” – Mandaravati renasceu das cinzas. Então, os três começaram a brigar pela mão da moça, cada um alegando ser o responsável pelo milagre.

Betaal para e pergunta ao rei Vikram: “Quem dentre os três pretendentes deveria casar-se com Mandaravati?”

Vikram responde, com toda a sabedoria: “Aquele que lhe deu a vida ao recitar o feitiço é seu criador, tal qual um pai. Aquele que levou seus ossos ao Ganges deve ser seu filho. Mas aquele que, por amor, se prostrou ao chão e dormiu sobre suas cinzas – este sim – deve ser seu marido”.
Assim que o rei terminou de responder, Betaal voltou à árvore.

 

As Cabeças Trocadas

Era uma vez um lavadeiro de roupas chamado Dhavala. Certa vez ele avistou, junto a um pequeno lago, uma bela moça, filha de outro lavadeiro. Ele apaixonou-se naquele mesmo instante, e suplicou aos pais que fossem aos pais da moça para propor seu casamento com Dhavala. Assim foi feito, e a moça, Madanasundari, casou-se com o consentimento dos pais e passou a viver com Dhavala.

Algum tempo depois, o irmão de Madanasundari foi à casa de Dhavala para convidar a irmã e o cunhado para um festejo em sua casa. Dhavala concordou, e os três se dirigiram para a casa da família de Madanasundari. No caminho, porém, eles passaram pelo templo da poderosa deusa Durga Devi. O irmão quis pagar uma visita à deusa, e entrou no templo. Mas logo que se aproximou da deusa, ele quis fazer-lhe um grandioso sacrifício. Assim, cortou a própria cabeça em honra da deusa. Mandanasundari estava preocupada, e pediu ao marido que fosse ver se algo ruim acontecera. Ao ver o estado em que seu cunhado se encontrava, o marido comoveu-se profundamente, e decidiu também oferecer a própria cabeça à deusa, cortando-a com sua cimitarra.

Mandanasundari, após uma longa espera, entrou no templo. Ao ver mortos tanto o irmão como o marido, quis ela também tirar a própria vida, mas pediu antes à deusa que para ter o mesmo irmão e o mesmo marido na próxima vida. A deusa compadeceu-se da moça, e impediu-a de cometer o suicídio. Pediu-lhe, então, que unisse as cabeças dos dois homens a seus corpos, pois ela lhes devolveria a vida. Em sua pressa, porém, Madanasundari trocou a cabeça do irmão com a do marido, e ao constatar o erro, ficou atordoada.

Betaal pergunta, então, ao rei: “Quem dentre os dois é o esposo de Madanasundari?”
Vikram, após refletir, responde-lhe: “O corpo que carrega a cabeça de Dhavala é seu marido. A cabeça é a parte mais importante do corpo humano, e o restante é identificado pela cabeça”.
Assim que o rei terminou de responder, Betaal voltou à árvore.

 

Os Três Brâmanes Especiais

Era uma vez um rico brâmane, chamado Vishnuswamin, que estava preparando um grandioso rito de sacrifício. Ele tinha três filhos, cada qual extremamente meticuloso em determinado aspecto. O mais velho era meticuloso quanto à comida, o segundo, quanto às mulheres, e o terceiro, quanto a camas. Vishsnuswamin queria uma tartaruga para seu sacrifício. Assim, enviou seus três filhos para que lhe trouxessem uma. Os três encontraram uma tartaruga, mas não puderam decidir quem a tocaria e levaria ao pai, pois cada um alegava ser tão meticuloso quanto o outro.

Para que resolvessem aquela discussão, foram até o rei e lhe perguntaram quem dentre os três era o mais meticuloso. O rei decidiu testá-los um a um, convidou o primeiro para um banquete muito especial e perfeitamente preparado. Mas o rapaz se recusou a tocar a comida, alegando que sentia o cheiro de corpos queimados no arroz. Ao investigar, o rei descobriu que os grãos com que se preparara o arroz eram de um campo próximo a um crematório. O rei ficou impressionado. Ele decidiu, então, testar o segundo, enviando-lhe uma belíssima e charmosa concubina.

Mas o rapaz mandou-a embora, dizendo que a moça tinha o cheiro de uma cabra. Ao investigar, o rei descobriu que ela fora amamentada com leite de cabra quando criança. Novamente, o rei ficou muito impressionado. Então, ele decidiu testar o terceiro, deixando-o dormir em uma cama com sete enormes colchões. No meio da noite, o terceiro rapaz acordou com muitas dores e uma marca vermelha no ombro. Ao verificar encontrou-se um pequeno fio de cabelo sob os sete colchões. O rei estava pasmo com os três rapazes, e não pôde decidir qual deles era o melhor para a tarefa que o pai lhes incumbira, mas, ao invés disso, decidiu utilizar-se do talento dos três, empregando-os em sua corte. Assim, Vishnuswamin não pôde concluir seu sacrifício.

Betal pergunta, então, ao rei: “Quem dentre os três é o mais meticuloso?”
Vikram, após refletir, responde-lhe: “O terceiro filho, pois ele teve a marca vermelha como prova incontestável do que dizia. Os outros dois poderiam ter obtido informação de outra pessoa”.
Assim que o rei terminou de responder, Betaal voltou à árvore.

 

As Três Rainhas Sensíveis

Era uma vez um rei de Ujjayani, chamado Dharmadhvaja, que tinha três rainhas extremamente sensíveis e de beleza inigualável. Ele amava muito todas as três.

Em certa ocasião, enquanto o rei jogava com a primeira rainha, ele a fez agitar os cabelos. Então, a flor-de-lótus que estava na orelha da rainha caiu em cima de sua coxa, abrindo-lhe uma ferida e fazendo-a chorar muito. O rei surpreendeu-se com sua sensibilidade, e imediatamente ordenou tratamento médico para ela.

Em outra ocasião, quando o rei estava no telhado do palácio com a segunda rainha em uma noite de lua-cheia, a rainha subitamente sentiu sua pele queimar com a luz da lua. Mais uma vez, o rei, surpreso com tanta sensibilidade, chamou os médicos.

Em um terceiro momento, quando o rei estava com a terceira rainha, ela caiu desmaiada no chão ao ouvir o barulho de um distante morteiro de moer arroz. Imediatamente, o rei convocou o atendimento médico. Ele estava perplexo com tamanha sensibilidade, e desde então ele levou o cuidado com suas três hiper-sensíveis rainhas ao extremo.

Betaal pergunta, então, ao rei: “Quem dentre as três rainhas é a mais sensível?”

Vikram, após refletir, responde-lhe: “A terceira, pois ela sequer fora tocada pela luz ou pela flor. Apenas ouvira um som à distância”.

Assim que o rei terminou de responder, Betaal voltou à árvore.

 

Os Quatro Garotos que Fizeram um Leão

Era uma vez quatro garotos, filhos de um pobre brâmane que lhes ensinara todos os Vedas e as escrituras sagradas. Com a morte dos pais, eles decidiram viver com o avô materno. Mas ao chegar em sua casa, viram que não eram bem-vindos e seus primos os tratavam mal. Então, os irmãos decidiram se separar por um tempo, indo cada um aprender uma habilidade especial em algum canto do mundo, para depois tornarem a se encontrar. Assim, eles partiram só voltando àquele local após o tempo combinado. Cada um contou o que aprendera.

O primeiro disse: “Eu posso criar a carne de um animal a partir de um único osso”. O segundo disse: “Eu sei fazer crescer pele e pêlos em um animal se ele tiver carne e ossos”. O terceiro disse: “Eu posso criar os membros de uma criatura se sua forma estiver completa com pêlo, pele, ossos e carne”. Por fim, o quarto disse: “E eu sei como dar vida a uma criatura contanto que ela esteja em sua forma completa com membros”.

Então, os quatro irmãos entraram na floresta em busca de um osso de animal para testarem suas habilidades. O primeiro que encontraram foi um pedaço de osso de leão. Assim, cada um usou sua habilidade e eles criaram um enorme leão, que, pela força do destino, matou os quatro e fugiu da floresta.

Betaal, então, pergunta ao rei: “Quem dentre os quatro irmãos é o responsável pela moret de todos eles?”

Vikram, após refletir, responde-lhe: “O quarto, pois foi ele quem deu vida à até então inanimada estrutura de ossos, carne, pele e pêlos”.

Assim que o rei terminou de responder, Betaal voltou à árvore.