Capítulo 2
Autora: Monica Ferreira
Hades levou a deusa por um corredor repleto de portas brancas, feitas de álamo-branco, árvore sagrada para o deus. Parou diante de uma porta à esquerda, próxima à principal no fim do corredor.
– Este será o seu quarto. Espero que goste.
Ao contrário da escuridão reinante no palácio, o aposento era muito bem iluminado, de paredes brancas e móveis feitos de ouro e bronze. A cama ocupava o centro do cômodo e estava adornada com lençóis brancos. Na parede em frente à cama, uma penteadeira com espelho. Um armário feito de ébano ocupava a parede à direita. Uma janela enorme ficava à esquerda, por onde entrava uma luz avermelhada. A deusa ficou maravilhada com tanta beleza, parecia um quarto olímpico!
– Há um lavatório aqui. – Apontou para uma pequena porta ao lado do armário. Em breve, irei providenciar roupas e sandálias.
– Que lindo! De onde vem tudo isso?
– Dos pagamentos a Caronte, é claro. Também é devido a minérios e metais preciosos que encontrei por aqui.
– Há criados que trabalham para você? Como ninfas ou outras divindades?
– Não. Eu selecionei algumas almas que receberam o meu perdão e chamei para viver aqui, cuidando do local. São muito leais a mim.
– Agradeço por tudo que está fazendo, mas eu ainda acho uma tolice não me levar ao Tártaro.
– Nêmesis, não se preocupe. Se acaso Zeus arrumar problemas, eu irei lhe defender. Mas foi muita sorte ele não ter se rebelado e causado uma guerra. Quem você chamaria para lutar ao seu lado?
– Não tenho a menor ideia.
– Então esqueça por um momento essa história e concentre-se na sua nova condição. Venha, deixe-me mostrar os outros lugares da casa.
Os dois passearam pelos suntuosos cômodos (Nêmesis cada vez mais impressionada com tudo o que via) e descer a um pomar de árvores belas e frondosas, brotando da terra escura aos fundos do templo.
– Assim como na superfície há pomares, aqui eu também tenho o meu próprio pomar. – Explicou Hades, ao pegar um fruto.
– Gosta de viver aqui?
– De início, não. Após a Titanomaquia, quando houve a divisão pelo controle do universo, achava que Zeus tivesse me logrado. Não gostava deste céu, destes rios… Era como se estivesse novamente no estômago do meu pai, você sabe da história, não é? Cronos engolia cada filho que nascia do ventre de minha mãe, até ela dar uma basta nisso e libertar Zeus deste destino… Enfim, esta escuridão me lembrava dos anos em que estivemos presos, era horrível…
“Mas, quando vi minha importância para o equilíbrio da raça humana – reger os mortos e dar-lhes a sentença que merecem – logo me tornei o deus mais respeitado de todos, tanto pelos mortais quanto pelos deuses. Esta terra é como um reflexo do mundo acima. Há rios, planícies, bosques… Tirando, é claro, algumas exceções óbvias, aqui não difere em nada com qualquer outro lugar da Hélade. E é isso que faz com que eu permaneça neste mundo. Respondendo a sua pergunta, sim eu gosto de viver aqui.”
– É admirável vê-lo defender seu reino com tanta paixão. Agora eu o tenho mais em conta do que todos os outros deuses.
– Obrigado, o mesmo digo a você. Vamos continuar nosso passeio? Creio que não vou conseguir mostrar tudo, mas pelo menos alguns lugares.
Saíram dos limites do jardim e seguiram para as regiões mais remotas do mundo inferior. Hades servia de guia, explicando para Nêmesis cada detalhe de seu reino peculiar. Até chegar a uma via que desce para uma escuridão aterrorizante.
– Este é o caminho para o Tártaro. – Disse. – Quer ver os portões?
– Quero sim. Quero saber se é tudo o que me disse.
Movida pela curiosidade, Nêmesis descera a estrada de terra negra sem nem olhar para o anfitrião, deixando-o para trás. O deus moveu a cabeça com ar de reprovação, mas seguiu a moça.
A escuridão envolvia a ambos, e um vento frio soprava fazendo-os encolher. Logo pararam diante de enormes portões de bronze reluzente. Não havia gemidos, apenas um silêncio sepulcral.
– Quer entrar? – Brincou o deus.
– Por que não? Era para onde me enviaram. – Respondeu a moça.
Então o monarca, com um gesto de seu cajado, fez os portões se abrirem. O vento frio de antes soprou ainda mais forte, vindo da terra árida que se mostrava diante deles. Era tudo plano, o vento formava redemoinhos com a poeira, o silêncio mostrava-se ainda mais assustador.
– Onde estão os…? – Nêmesis não concluiu com receio de alguém ouvir.
– Os Titãs e Hecatônquiros devem estar andando por aí, arrastando seus grilhões. As Erínias não ficam o tempo todo, apenas punem os impiedosos e depois sobem para a superfície, atormentando os vivos. Por enquanto, não há tantos mortos assim. Veremos se nesta Era de Bronze as coisas mudam.
– Tenha toda a certeza. Com os homens se matando em guerras virão almas cada vez mais terríveis, recebendo punições severas e tendo seu destino ligado ao Tártaro. As únicas beneficiadas serão as Erínias. Elas ficarão muito felizes com suas novas companhias.
As divindades riram, esquecendo-se por um momento de que estavam diante do maior castigo que os deuses podiam temer. Hades, novamente com um gesto, fechou os portões com um estrondo.
– Agora que já conhece o Tártaro, – comentou, olhando-a fixamente. – Me responda: ainda está indecisa sobre a minha proposta?
A moça retribuiu o olhar. A dúvida dera lugar àquela certeza de agora a pouco, a justiça inexorável que sempre regia seus princípios. Já não sabia mais se o que merecia era justo ou não, estava confusa. Deu um longo suspiro e respondeu, decidida:
– Você me convenceu. Vamos julgar os mortos.
Capítulo 4