Escuridão – Capítulo 5

Capítulo 4

Autora: Monica Ferreira

Os dias se passavam e nada de extraordinário acontecia por aquelas terras, exceto por um frio mais intenso do que antes, reflexo do outono que se iniciava na superfície. O céu vermelho característico dera lugar a um tom de vinho, mais sombrio e assustador.

Nêmesis mostrava-se cada vez mais adaptada a sua nova vida subterrânea. Julgava com imparcialidade todos os mortos que vinha em sua presença, e seus conselhos para Hades eram sempre certeiros, o que impressionava o regente. Sentia-se mais atraído pela jovem, revelando-se uma deusa adorável.

Nos passeios que já se tornaram rotineiros, a cumplicidade entre os dois era evidente, o que suscitou comentários maliciosos sobre um possível relacionamento amoroso. Eles ignoravam tudo, mas não negavam que já crescia certa afeição entre ambos.

– Quer dizer que Nix tem tantos filhos quanto às estrelas bordadas em seu véu? – Comentou Hades, ao andarem por um vale onde corria o Aqueronte.

– Muitos deles ela originou sozinha, sem nenhum marido que a concebesse. Já outros ela uniu-se a Érebo, seu irmão gêmeo. Estão espalhados pela terra, levando tristezas ou alegrias.

– Liste todos os filhos de Nix pra mim, por favor.

– Hum, deixe-me ver… Nêmesis, Erínias, Hipnos e Tânatos, as Queres, Moros, Oneiros, deus dos sonhos; Momo, Ápate, Geres, Éris, deusa da discórdia; Filotes, as Moiras… Ah, são muitos! Não me recordo de todos.

– Agradeço o seu esforço. As Moiras vivem aqui, numa caverna isolada. Já estive lá para saber sobre… Bem, não importa. Podemos visitá-las agora, se quiser. Estamos perto de onde moram.

– Prefiro não incomodá-las.

– Bobagem. Vamos.

Mesmo relutante, a moça seguiu o deus, que apertava o passo novamente a deixava para trás. Chegaram a uma encosta de montanha envolta por um nevoeiro, parecia até mesmo a morada das Erínias.

Hades estacou em frente a uma caverna. Nêmesis veio logo atrás e entendeu o motivo pelo qual ele parou. Um imenso emaranhado de linhas percorria todo o corredor rochoso, até perder-se na escuridão. Eram finas linhas de algodão que se entrelaçavam, brancas, retas, perfeitas.

– Isso mostra que não querem mesmo ser incomodadas. – Comentou a deusa.

– Não estava assim quando vim pela última vez. – Lamentou Hades. – Infelizmente, não podemos ultrapassar. Uma pena.

Voltaram pelo mesmo caminho. Nêmesis suspirou de alívio, enquanto Hades mostrava uma pequena frustração, que era evidente demais para ser apenas uma visita comum.

***

– Perdoe-me Nêmesis. Eu sempre faço com que nossos passeios terminem de forma decepcionante. Primeiro foram as Erínias e agora as Moiras…

– Hades, não se culpe. Eu não queria mesmo vê-las. Tenho medo delas me derem sermão sobre como devemos seguir o nosso destino e me convencer a… Bom, a fazer o que tem que ser feito, você sabe o quê.

– Na verdade, eu queria saber por quanto tempo eu ainda terei de esperar uma promessa. Uma promessa que Zeus me fez há muito tempo.

– E… Que promessa seria?

Nesse momento, uma linda jovem, de cabelos dourados e vestes transparentes, apareceu no bosque em que estavam.

– Hades! Quanto tempo… – Exclamou. E correu em direção do deus, dando-lhe um longo beijo. Nêmesis ficou paralisada, mas logo se recompôs, disfarçando o rubor de sua face.

– Mentes?! Isso são modos?! Mil perdões, Nêmesis, sabe como são essas ninfas…

– Tudo bem, não se preocupe. Pelo visto, ela é muito apaixonada. Prazer em conhecê-la. Eu sou Nêmesis, a deusa da vingança, e estou auxiliando Hades no julgamento dos mortos.

A ninfa olhou a deusa de alto a baixo, e lançou-lhe um olhar não muito amigável.

– Então, essa é a moça por quem os mortos suspiram? A benevolente deusa da vingança? Pelos rumores que vagam por aí, pensei que fosse mais bonita…

– Mais respeito com a deusa! – Repreendeu Hades, explicando-se depois. – Mentes é uma ninfa do rio Cocitos. E nós fomos…

– Nós somos amantes. – Corrigiu Mentes. – Hades ainda não se convenceu de que eu sou a mulher da sua vida. Eu sou a única que se importa com ele, quem lhe dá carinho, atenção, amor! Ao contrário de seus irmãos, que sempre o desprezam. Eu serei a rainha do submundo. É apenas uma questão de tempo.

– Chega de tanta besteira! Nêmesis, vamos voltar ao palácio. Já está escurecendo.

– O-o que? Hades, mas nem conversamos direito… Não me trate assim!

– Não tenho mais nada a falar com você, Mentes. Passar bem.

O senhor dos mortos deu-lhe as costas e seguiu pela trilha em mata fechada. A ninfa desferiu um olhar raivoso sobre a jovem e quando esta virou-se para segui-lo, puxou o seu braço, forçando-a a virar-se.

– Espere. Quero falar com você.

A deusa parou confusa, e esperou que ela continuasse.

– Quero que me responda com a sinceridade com que rege seus julgamentos.

– Pois não.

– O que sente por ele?

Nêmesis deu um longo suspiro de enfado. Já devia ter imaginado qual seria o teor da conversa. Ignorar os boatos dos mortos sobre os dois era algo completamente normal, mas agora se tornar um dos lados de um triângulo amoroso seria demais! Não estava ali para isso, tanto que logo decidiu encerrar o assunto.

– Mentes, não adianta vir com essa história. Eu não sinto nada por Hades. Estou aqui apenas provisoriamente. Quando eu for embora, tudo voltará ao normal.

– Tudo bem, vejo que não gosta muito de falar sobre isso. – Sibilou a moça. – Eu apenas quero deixar claro que nós, as ninfas, sempre estamos numa posição mais elevada que as esposas dos deuses. Somos sempre as mais procuradas, as mais desejadas e por quem os deuses morrem de amores. Se quiser casar-se com ele, não irei me preocupar. Eu sempre o estarei esperando, às margens do Cocitos, para uma noite de amor mais intensa do que as noites monótonas com sua futura esposa. Seja você ou qualquer outra, eu estarei sempre aqui. Nunca se esqueça disso.

Desta vez, foi Mentes quem lhe deu as costas e sumiu entre as árvores. Nêmesis teve que engolir a raiva por ter perdido seu tempo ouvindo a ninfa e seguiu na direção oposta.

Capítulo 6