Escuridão – Capítulo 6

Capítulo 5

Autora: Monica Ferreira

Com o passar das semanas, a jovem deusa já não se lembrava mais do ocorrido, ao contrário de seus sentimentos, que a cada dia era mais forte em relação ao regente. Na verdade, ela nunca deu atenção para esses assuntos amorosos, pois sabia que não poderia viver algo parecido com qualquer deus ou mortal, dada a sua condição de ser uma deusa solitária e de fama violenta.

Mas com a declaração de Mentes, ela passou a notar Hades com outros olhos. O regente do mundo dos mortos mostrava-se amável e generoso, respeitando seus limites e sendo um grande companheiro. Imaginava que o deus também lhe via da mesma forma, pois, assim como ela, era um deus recluso, vivendo em um mundo onde todos temiam visitar, até mesmo os deuses.

Um dia, porém, Hades lhe pediu um conselho. Era sobre a promessa de Zeus que citara naquela ocasião, após a visita às Moiras. Nêmesis fez questão de ouvir com toda a calma.

– Sei que pode achar uma tolice essa minha história, mas, por favor, gostaria muito que respeitasse e que só desse o seu parecer apenas no final.

– Claro. Estou ouvindo.

Sentaram-se nos degraus do trono. Hades com o seu olhar melancólico e Nêmesis com a sua curiosidade. Os julgamentos terminaram mais cedo naquele dia, mas ele não estava disposto a passeios. E começou a contar:

– O mundo dos mortos, quando foi passado a mim, pedi a Zeus que me desse uma de suas filhas para desposá-la. Preparei tudo para que a moça fosse bem acolhida em seu novo lar. Mandei fazer roupas, sandálias, jóias, perfumes… Porém, o tempo passou e meu irmão nunca me deu uma resposta. Devido ao seu silêncio, fui às Moiras para saber quando a minha esposa chegaria. Tudo que me disseram foi para que eu tivesse paciência, pois meu destino estava ligado a outro, que logo viria.

“Mas eu tinha pressa. Sentia-me envergonhado ao ver-me sozinho durante as festas no Olimpo, enquanto meus irmãos desfilavam com suas belíssimas esposas. Isso sem contar dos inúmeros casos de amantes que permeavam aos montes, e chegavam até mim pelas almas.”

“Foi quando encontrei a ninfa Mentes. Ela estava deslumbrante, vagando pelas margens do Cocitos, cantando uma belíssima canção. Apaixonei-me perdidamente e nos tornamos amantes. Porém, eu percebi que estava enganando-a e decidi contar-lhe tudo. Ela ficou inconsolável, mas não pude fazer nada a não ser ignorá-la. Nunca mais a procurei desde então, até aquele dia em que nos reencontramos. Você sabe, aquele fatídico dia.”

O deus manteve-se em silêncio, refletindo sobre o que dissera, e continuou:

– Então, algo maravilhoso aconteceu. Algo muito melhor do que meus desejos mais otimistas. Melhor do que qualquer promessa. Uma deusa, ferida em sua honra, aficionada pelo Tártaro, pela justiça sem precedentes. Uma bela deusa da vingança que apareceu diante de mim, trazida por Hermes.

A moça estremeceu. Onde ele queria chegar? Suas mãos tornaram-se frias, ao leve tocar das mãos do outro.

– Nêmesis, sei que não está aqui por esse motivo, mas não posso negar que me senti atraído pela sua beleza. E, com o tempo, não só pela beleza, mas também pela sua doçura, sua inteligência! Sinto-me honrado em tê-la aqui comigo, me auxiliando, mas também sendo a minha amiga e, talvez única, companheira.

“Às vezes, eu até agradeço a Zeus por ter lhe enviado a mim. Sim, eu sei, o que ele fez foi deplorável, mas se não fosse por isso, nunca teríamos nos conhecido melhor. Já não me importa mais essa promessa, não quero mais essa filha de Zeus que nunca aparecerá. Nêmesis, eu lhe peço, seja a minha esposa. Seja a minha rainha, vamos reger esse mundo juntos. Prometo lhe fazer muito feliz. E tenho certeza que me fará muito feliz também.”

Os olhos azuis marejados já não suportavam as lágrimas que escapavam soltas pela sua face. Estava exultante! Seu coração disparava de tanta felicidade. Já não importava mais se estava ali de passagem ou condenada ao Tártaro. Um sorriso de felicidade brotou de seus lábios e ela respondeu, suavemente:

– Sim! Aceito ser sua esposa!

***

A união entre ambos foi modesta, sem cerimônias. Embora Hades quisesse uma festa invejável à altura de seus irmãos, Nêmesis ainda mantinha um receio quanto a encontrar certos deuses. Mas isso não o incomodou nem um pouco, pois ter a bela deusa ao seu lado era o seu principal objetivo.

Nem foi preciso divulgar o casamento de ambos, pois as Erínias fizeram questão de espalhar para toda a Hélade e também para o Olimpo, causando temor em alguns mortais e indiferença entre os deuses. Das roupas e jóias reservadas que Hades planejou para sua futura pretendente, a jovem usou apenas as roupas, pois estava acostumada a manter um visual simples.

– Espero que não se importe com a minha simplicidade. Não estou acostumada a andar com tantos adornos, nem sou chegada a vaidades.

– Ora, querida! Eu não me importo. Você é belíssima de qualquer maneira.

Os limites do submundo compreendiam os Campos Elísios, lugar para onde as almas abençoadas pelos deuses vão descansar as suas vidas sofridas. Era também o único lugar onde Nêmesis ainda não conhecia e que Hades nunca levara. Na verdade, o regente esperou que as núpcias se concretizassem para levá-la e ter um momento a sós.

– Está pronta para conhecer os Campos Elísios? – Perguntou Hades, ao levá-la até os portões de ouro, idênticos aos do Tártaro. A moça apenas assentiu com a cabeça, fascinada com a beleza que já se mostrava nos entalhes do metal. Então, o soberano, acompanhado de seu cetro, bateu em uma das folhas e ambas se abriram.

Uma luz branca e forte cegou a ambos. Nêmesis, já habituada a escuridão reinante, levou um tempo para acostumar-se. E teve a visão mais linda que tivera em sua vida.

De fato, eram as campinas os principais personagens daquele paraíso, floridas com as mais variadas espécies a espalhar seus perfumes, plantadas sobre uma relva verde que se estendia como um tapete brilhante e orvalhado. Lete, o rio do esquecimento, cortava os campos com seus pequenos filetes de água cristalina.

O céu, longe do vinho outonal ou do vermelho ameaçador, resplandecia em tons de rosado e laranja, como a aurora que nasce todas as manhãs sobre a terra. Havia umas poucas almas vagando esparsas pelo lugar, mostrando em seus rostos uma felicidade incontida; algumas contemplavam o lugar, outras vinham em grupos, conversando trivialidades.

– É lindo, Hades! Um verdadeiro paraíso para os bem-aventurados! – Exclamou Nêmesis, extasiada com a atmosfera do lugar.

– As almas que chegam aqui bebem das águas do Lete para esquecer suas memórias. Aqui elas vivem felizes, casam-se, sem nem lembrar-se do que passou. E hoje, será o nosso lugar também.

– Minhas memórias também serão apagadas, se eu beber desse rio? – Instigou a deusa, o olhar brilhante com um lampejo de esperança.

– Sim, toda a sua memória, desde os momentos tristes até os mais alegres. Assim como as águas do Estige são sagradas para os deuses a ponto de jurarem por elas, as águas do Lete também são. Não fique triste, querida. Sei o quanto quer esquecer o que ocorreu, mas lembre-se de que agora é a minha esposa adorada e nada irá nos separar.

E aproximou-se da moça, as vestes claras de punhos bordados, o semblante iluminado pelo amor recém-descoberto. Beijaram-se. Um beijo longo, sem pressa, cálido como uma pequena faísca que em uma planta seca espalha-se e consome-se em chamas incandescentes.

Diante da beleza do lugar, tornaram-se como crianças. Correram pelos campos, sentiram a brisa tocar em seus cabelos e amaram-se, um amor mais reservado em respeito às almas transeuntes, mas nunca visto com tanto ardor e felicidade.

Capítulo 7