Capítulo 8
Autora: Monica Ferreira
Como era de se esperar, o casal voltou desolado para o mundo dos mortos. Hades não sabia o que pensar, enquanto a moça permanecia apática. O deus dos mortos remoía-se por dentro, o remorso começando a tomar seu coração e pensamentos obscuros a sua mente.
Desceram da carruagem, já na clareira. A jovem fora a primeira a descer e andando rápido, seguia na frente, enquanto Hades tentava alcançá-la.
– Nêmesis, espere – pediu, segurando o braço da moça, fazendo-a virar-se. – Querida, não se deixe levar pelo que meu irmão disse. Você será a minha única esposa, a única mulher que eu amo.
– Perdoe-me Hades, mas não estou pensando nisso. Estou pensando no que Zeus me disse sobre eu voltar, retomar minhas funções. Sou muito feliz ao seu lado, meu amor, mas ele tocou no assunto que eu mais temia. Confesso que me senti animada com a ideia, uma ponta de esperança renasceu dentro de mim! Sinto falta da minha vida anterior, Hades. Sinto falta das sentenças que aplicava aos mortais gananciosos, de vê-los seguir as suas vidas prosperando e temendo aos deuses. Deve me achar uma ingrata, não é? Não precisa dizer.
O deus aproximou-se devagar e pegou em suas mãos, olhando-a em seus olhos.
– Parece que não consigo mesmo agradar sempre. Desde que chegou aqui em meus domínios, soube que seria a companhia perfeita para mim. Também me sinto feliz ao seu lado! Não sei mais o que é viver sozinho. É claro que entendo perfeitamente a saudade que sente e jamais a proibiria de voltar. Mas, se realmente quiser retornar ao Olimpo, saiba que será um caminho sem volta. As Moiras cumprirão o seu papel, e eu estarei casado com a filha de Zeus.
O semblante do deus tornou-se mais sombrio que de costume, deixando Nêmesis temerosa, engolindo em seco tudo o que lhe dissera. Mas foi por um breve momento, pois logo tornou-se calmo e gentil.
– Vamos entrar. Encontraremos uma solução, não se preocupe.
***
Desceram as escadas de mãos dadas, mas era visível em seus rostos que o passeio não foi dos melhores, portanto ninguém os incomodou. Ao chegar no palácio, foram recebidos por um criado afoito e amedrontado.
– Senhor Hades, – disse, tomando fôlego. – O senhor tem visitas. Elas estão esperando há tempos.
O deus entrou apressado pela sala do trono, seguido pela esposa e encontrou as fiandeiras do destino, citadas agora há pouco. Sentadas em um banco ao fundo da sala, enrolavam a lã em novelos, silenciosas como o tempo.
– Moiras?! – Exclamou. As velhas levantaram os olhares e franziram o cenho ao ver a moça ao lado do deus. – Q-que surpresa vê-las em meu palácio. O que as trazem aqui?
Láquesis, a responsável por selecionar e conduzir cada linha da vida ao seu destino, aproximou-se lentamente do casal e cumprimentou-os:
– Hades, senhor dos mortos, sei que está surpreso em nos ver fora de nossa morada, mas queríamos nós mesmas, reparar o erro que cometemos.
O casal olhou-se, incrédulo. A Moira continuou:
– Será doloroso ouvir o que tenho a dizer, mas não podemos fugir de nosso destino, nem mesmo nós, as deusas que o regem.
– O que quer dizer? – Indagou o regente, já temendo o pior.
– Sabemos o que houve em seu passeio pela Hélade, pois fomos nós que causamos este encontro. Fizemos isso como uma forma de alertá-lo sobre o seu futuro. Nêmesis, apesar de lhe ter sido uma boa companheira, não pode mais continuar ao seu lado. Ela já cumpriu o seu papel no submundo e agora terá que voltar ao Olimpo. Sinto muito, Hades, mas a mulher com quem passará toda a sua eternidade não é a deusa da vingança.
A jovem não esperou que ela terminasse a explicação e a interrompeu com um grito cortante:
– Suas velhas malditas!!!
O silêncio que se seguiu foi aterrador. O deus dos mortos olhou, horrorizado, para a jovem transtornada. Seus cabelos úmidos estavam caídos na frente do rosto, a respiração ofegante, as mãos fechadas em punho na saia do vestido.
A respiração dera lugar a um choro copioso, um choro misturado com ódio e mágoa, que fizera Láquesis encolher-se de medo e as outras Moiras levantarem correndo para socorrê-la.
– Vocês… Vocês traçam os destinos de todos, armam ciladas, entrelaçam vidas e depois se arrependem?! Suas desgraçadas!!! Vou retalhá-las aqui mesmo e jogar seus corpos no Aqueronte!
E logo desembainhou a espada, avançando para cima da velha, sendo impedida pelo esposo, parando-a em sua frente.
– Pare com isso, Nêmesis! Sua fúria não levará a nada!
Diante de Hades, a espada espetada em seu peito, a deusa deixou-a cair no chão, desabando aos pés do amado. As mãos enterradas no rosto escondiam os soluços cada vez mais altos, o desespero tomara conta de seu ser.
O deus abaixou-se e a abraçou forte. Duas almas escurecidas pela existência fatídica e agora pela dor, observadas pelas deusas causadoras de toda aquela trama.
– Acalme-se, meu amor. Resolveremos tudo, acalme-se. – O deus afagava seus cabelos negros, a certeza desaparecendo nos sussurros, aquela que tanto o acompanhou ao julgar os mortos.
Nem era preciso as Moiras anunciar sua despedida, pois já recolhiam seus novelos e dirigiam-se para fora. Estavam tristes, pois a moça também era irmã delas, filhas da deusa Nix, a noite escura e primordial.
E como se a própria noite estivesse ali, a escuridão os envolveu, quente, confortável, acalentando-os sob um véu negro sem estrelas.
Capítulo 10