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Como pode, em pleno século XXI – o século onde deveríamos estar montando colônias em Marte, carros voadores, implantes cibernéticos e inteligência artificial avançada – estarmos ainda discutindo sobre Terra Plana, alienígenas do passado, criacionismo, farsa do aquecimento global, anti-vacinações e cura gay? Neste episódio, Pablo, Karol, Leonardo, Estrela e Bryan conversam sobre argumentos pseudocientíficos, de onde vieram, como se reproduzem e como evitá-los.
Duração: 64 minutos
E ai pessoal,
Tudo bom? Como sempre bem legal a discussão, obrigado pelo trabalho e esforço de vocês. Mas uma pergunta: e quando a ciência nos desilude? Alguns exemplos no meu caso:
1. endocrinologistas que não sabem sobre nutrição, pois não querem estudar sobre outro tema, mas me dão receitas prontas para tratar diabetes que só pioram meu cenário?
2. diagnósticos errados de ginecologistas que não estudaram um tema específico de endometriose da minha esposa, e impactaram na gravidez da minha esposa?
3. documentos e livro da faculdade de Harvard e com conselhos errados de nutrição sobre o colesterol?
Concordo com o argumento do Pablo, pelo minuto 39, que a autoridade é temporária. Estes 3 casos me mostraram o quanto os médicos, os cientistas, os conhecedores são falíveis e não autoridades.
Agora seria essa autoridade temporária, seria válida para a ciência, mas para a crença não? A verdade científica, sendo temporária, não é a mesma de uma crença exploratória, uma crença onde eu tento desbravar caminhos difíceis sem ciência como apoio?
Eu creio que esses problemas nos exemplos que você deu se deva mais à especialização demasiada em uma única área. Note que ESPECIALISTA não é a mesma coisa que CIENTISTA. Tenho percebido isso em toda a comunidade científica, especialistas de uma área querem dar pitaco (ou acho que sabem o suficiente pra falar a respeito de outra área.) É por isso que a psicologia sofre bullying de outros ramos da ciência, porque eles acham que sabem mais que os próprios cientistas da psicologia e dizem que a psicologia é uma mera “pseudociência.”
E é por isso também que surgiram várias hipóteses dizendo que a física quântica é a prova que Deus existe, só por causa da explicação que o Schorindger deu na época “como se os quantons soubessem que estavam sendo observados.” Ele não afirmou isso, ele apenas deu uma ilustração, mas muitas pessoas (e até mesmo cientistas) levaram isso ao pé da letra. Este é apenas um dos exemplos das falácias e desentendimentos que ocorrem na ciência.
Eu particularmente não vejo a especialização demasiada como um problema. O problema que vejo são dois: o dogmatismo (ou seja, acreditar que apenas o seu caminho é o válido, como acontece com médicos que acham que psicologia é pseudociência) e o fechamento para novas experiências. Por mais que eu seja incrivelmente especialista em algo bem específico, posso ainda estar aberto e reconhecer que existem outras experiências possíveis. Uma coisa não nega a outra… mas se eu me fecho, daí passo a ter problemas…
O bom é que isso é problema humano, não científico. A própria ciência aponta isso como coisas a serem evitadas… o triste é que os humanos cientistas ainda não aprenderam isso…
Achei um vídeo aqui que exprime melhor essa questão que falei. Não é de especialização demasiada, apenas que cada cientista diz o que lhe convém em sua área. Como a ciência conversa entre si? O quanto um geneticista e um psicólogo se concordam? Isso vale para qualquer cientista e profissional. https://youtu.be/MEt2exDk_eI
Oi, Rodrigo!
Acho que a primeira coisa é sabermos diferenciar a ciência dos cientistas e diferenciar cientistas de profissionais técnicos. A medicina não é uma ciência: ela é uma profissão que se utiliza da várias ciências médicas (desde ciências básicas como biologia, física e química como mais específicas e até as ciências humanas como a psicologia e a sociologia). Um endocrinologista não necessariamente vai ser um cientista, ele pode ser apenas um profissional que aplica seu conhecimento da forma técnica que sabe. Inclusive, pode ser até um profissional com pouca experiência e que ainda vai aprender muito com seus erros. O mesmo acontece com diagnósticos de ginecologistas que são diagnósticos técnicos, não científicos. Existe toda uma discussão a respeito da “medicina baseada em evidências” (ou seja, de uma prática médica mais próxima da ciência) a respeito de como realizar diagnósticos e propor tratamentos. Um exemplo é sobre o câncer de próstata. Exames desse câncer têm muitos índices de falsos positivos e, ao mesmo tempo, muitos tratamentos são desnecessários e fazem mais mal do que a própria doença. Várias evidências apontam a ineficácia de muitos dos tratamentos e, por mais que tenhamos aumentado o número de diagnósticos e a intensidade dos tratamentos, não diminuímos em nada a mortalidade. A questão é: mesmo diante da ineficácia do tratamento, devemos evitar de oferecê-lo ao paciente? Essa é uma discussão da profissão, não da ciência…
Ciência é um método, não um conjunto de conhecimentos prontos. A autoridade ser temporária fala mais sobre o conteúdo do conhecimento do que sobre seu método. Até o momento, a melhor forma encontrada de construir conhecimento que temos é o método científico. Mas pode ser que descubramos um melhor no futuro! Por isso questionamos – e somos céticos – sempre. Por isso devemos questionar sempre até mesmo os conhecimentos estabelecidos e realizar sempre novos experimentos, nem que seja para comprovar o que já sabíamos. Crença não deve ser autoridade para nada, pois diante da dúvida, a crença só serve para diminuir a ansiedade de não se saber. Mas é justamente o não saber que nos leva ao conhecimento, portanto acreditar só atrapalha!
Entendo melhor seus argumentos, e incorporei melhor a tua verdade nas minhas. Obrigado pela paciência e atenção.
Eu continuo tenho muita fé, e preciso das minhas crenças, pela minha vivência. Não prego isso, e nem recomendo, mas ao mesmo tempo me aceito assim.
É o que posso hoje para conviver comigo e os fatos que vivi.
Olá a todos,
Muito legal o episódio e queria comentar umas coisas.
1) Essa tendência do ensino de ciência não discutir o método é um problema seríssimo. Na faculdade de filosofia, estudamos bastante essa questão em epistemologia e fiquei até assustado ao ver o quanto isso é negligenciado cotidianamente.
No ensino fundamental e médio essa falta é patente. Como bem apontado, existe a impossibilidade do erro, mesmo em filosofia que seria o local do erro. A maneira como o conhecimento é trabalhado chega mesmo a aproximar o estudo da ciência ao da religião. Basicamente em ambas tem um livro de autoridade, ou autoridades, que você absorve somente devido a autoridade de quem está a frente, de certa, gerando esse contexto atual em que religião e ciência aparentam serem somente discursos de autoridade de fontes diferentes, e isso não só na Brasil. Com mais esforço para ensinar o método de aprender com os erros além de um efeito psicológico mais interessante, poderia gerar uma melhor consciência científica já na formação básica. E, infelizmente, ao analisar a história da educação no Brasil vê-se como essa queda ocorre desde os anos 30. Se vermos provas de matemática dessa década, por exemplo, além do conteúdo ser atualmente estudado somente em universidades de exatas, tudo era matemática aplicada, ou seja, situações reais as quais poderiam ser analisadas por via matemática. É curioso que já tivemos um ensino em que a metodologia científica, mesmo num âmbito mais positivista, era mais focado no método. Meu avô conta, por exemplo, que estuda termologia em física, na escola, com problemas cotidianos como gelar comida e coisas do gênero.
No ensino universitário tem o problema que o ensino tem tendido a tecnicismo também, mesmo que tenha havido grande incremento na pesquisa científica nacional. É terrível pensar o quanto as disciplinas são conteudistas também, além das disciplinas de metodologia nas graduações, com a grande exceção em física, biologia, matemática e química, serem mais focadas, na grande maioria das emendas de cursos – somente em regras ABNT, classificação Qualis, e coisas do gênero.
É muito absurdo áreas científicas estudarem tão pouco metodologia científica na universidade, aí quando quer fazer mestrado acaba fazendo especializações para entender melhor esse processo e só o aprendem no mestrado e doutorado, sendo que em todos os processos de admissão já se faz um projeto de pesquisa.
Esse tecnicismo além de criar uma âmbito favorável a posturas anti-científicas tem diminuído a própria qualidade profissional – que é o argumento de um ensino tecnicista mesmo no meio universitário. Meu pai era fisioterapeuta e na geração dele se estudava muita bibliografia alemã, na qual as atividades são focadas mais em técnicas manuais, do que duas gerações seguintes que era focada em bibliografia americana, mais focada em uso de aparelhos. Conclusão: ele trabalhava com fisioterapia respiratória e quando faltava energia elétrica em UTI era o único que sabia retirar catarro do pulmão de pacientes através de massagens, sendo que profissionais de duas gerações depois não sabiam disso. Fica aquela questão: sem uma concepção mais refinada de ciência, o pessoal não procurava outras informações e bibliografias além a que seu professor recomenda. Isso em todas as áreas.
Na área acadêmica da música acaba tendo esse problema e não só no Brasil. Artigos de medicina e música, por exemplo, em geral são bem ruins e com metodologia altamente falha e isso não é só um problema brasileiro.
2) Do ponto de vista do pessoal da divulgação científica, penso que um problema sério é quando se mistura divulgação científica com pregação de ateísmo. Por exemplo, quando o Dawkins no “Deus é um Delírio” afirma que o agnóstico, que sem diz que deus existe como que não existe por dúvida, está errado cria a sensação de que a dúvida a desnecessária ao cientista e à ciência, já que ter dúvida sobre isso seria anticientífica, porém, o que é o cientista sem dúvida?
A maneira como muitos divulgadores de ciência colocam a tensão entre ciência e religião acabam igualando os dois discursos e traz o efeito contrário.
Mesmo que é difícil não entrar nessa questão, como ao falar de teoria da evolução, no final quando um teólogo católico, por exemplo,. – e não sou católico – diz que deus criou as regras do universo, da física à evolução das espécies, mostra a problemática e o risco de igualar os discursos sem querer. Claro, quando alguém diz que a Terra foi criada em 6 dias é complicado e é necessário mostrar que os dados nos mostram que não é assim, mas também é ruim tentar dizer peremptoriamente que deus não existe. Apontar que as regras funcionam por si mesmas é uma coisa, outra é dizer que a ciência comprova que não existe, o que epistemologicamente é meio forçado.
Essa autocrítica é importante, pois muitos divulgadores de ciência parecem lidar com ateísmo como os positivistas do século XIX faziam com a Religião Positiva, o que acaba igualando o discurso científico ao religioso. Ao manter uma postura kantiana, de serem temas de âmbitos diferentes, traz mais condições de diálogo e mostrar o funcionamento da ciência do que fazer pregação de ateísmo, algo meio absurdo mas, infelizmente, tem ateu que fala bastante besteira filosófica e científica.
3) Uma coisa que sinto falta ao ver grades de cursos é a falta de história daquela disciplina. Por exemplo, uma história da engenharia seria importantíssima não como um enunciado dos grandes eventos e descobertas, mas para expor as discussões metodológicas, suas mudanças e o trabalho conjunto de muita gente fazendo pequenas coisas que geram grandes mudanças.
Como tenho pesquisado uma interseção entre início da ciência e filosofias modernas em sua relação com a música, é incrível acompanhar o longo processo de discussão que gerou a física newtoniana.
Imagina em um curso como Engenharia elétrica: ao discutir-se as mudanças epistemológicas ao longo da história fica claro o quanto o funcionamento da academia atual tem relação com o processo histórico anterior. A coisa de vários pequenos trabalhos serem coordenados e sintetizados e não simplesmente gênios sobre-humanos que tem uma visão além do alcance e fazem ciência, praticamente uma hagiografia da ciência e de seus grandes nomes.
Penso que a falta de discussão das mudanças metodológicas da própria área atrapalha muito, aí fica parecendo que o estado atual veio do nada, e isso é aceitável para pessoas com pouca educação, mas problemático para universitários.
Parabéns pelo trabalho e tudo de bom a todos!
Tiago de Lima Castro
Adorei seus comentários! Nem sei mais o que dizer… <3
🙂
Nessas horas que é bom lembrar Kurt Vonnegut, que mesmo que a ciência seja realmente ciência — sem dogmatismo, pseudociência e etc– ela é um corpo amoral que é vítima tanto dos gananciosos quanto dos ignorantes. (Aliás, conheço ele só por causa do jogo Fallout.)
“After the thing went off, after it was a sure thing that America could wipe out a city with just one bomb, a scientist turned to Father and said, ‘Science has now known sin.’ And do you know what Father said? He said, ‘What is sin?”
Acho que isto pode ser tema para outro Papo Cético, o que seria mais um debate filosófico e moral. “Qual é o limte da ciência” ou “Qual é o limite do que fazemos da ciência?”
Limites da ciência são sempre temas excelentes de discussão! E são tantos… Acho que eu começaria com os limites éticos da ciência, já que esses limites impõe barreiras bastante práticas!
Depois temos os limites políticos, sociais, filosóficos, metodológicos, religiosos… éééé… a lista é grande pra onde a ciência não pode (por que não consegue ou não é autorizada?) ir… =D