Papo Lendário #210 - A Deusa Atena

Papo Lendário #210 – A Deusa Atena

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo Mitocôndria, Juliano Yamada e Pablo de Assis conversam sobre a deusa Atena.

Conheça mais sobre a deusa.

Veja porque também é chamada de Palas Atena.

Entenda as consequencias de sua rixa com o deus dos mares Possêidon.

– Esse episódio possui transcrição, veja mais abaixo.

— EQUIPE —

Pauta, edição: Leonardo Mitôcondria
Locução da abertura: Ira Croft
Host: Leonardo Mitôcondria
Participante: Juliano Yamada e Pablo de Assis

— APOIE o Mitografias —

Catarse

Apoia-se

— Agradecimentos aos Apoiadores —

Adriano Gomes Carreira
Alan Franco
Alexandre Iombriller Chagas
Aline Aparecida Matias
Ana Lúcia Merege Correia
André Santos
Antunes Thiago
Bruno Gouvea Santos
Clecius Alexandre Duran
Déborah Santos
Domenica Mendes
Eder Cardoso Santana
Edmilson Zeferino da Silva
Everson
Everton Gouveia
Gabriele Tschá
Jonathan Souza de Oliveira
José Eduardo de Oliveira Silva
Leila Pereira Minetto
Leonardo Rocha da Silva
Leticia Passos Affini
Lindonil Rodrigues dos Reis
Mateus Seenem Tavares
Mayra
Nilda Alcarinquë
Petronio de Tilio Neto
Rafa Mello
Talita Kelly Martinez

icone do rss icone do apple podcast icone do spotify icone do castbox icone do podcast republic icone do podcast addict icone do podbean icone do Google Podcast

— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

[Trilha sonora]

Leonardo: Muito bem, ouvintes. No episódio de hoje, falaremos de uma personagem que já pediram várias vezes aqui para a gente fazer um episódio sobre ela, e é uma das deusas mais conhecidas – imagino que seja também uma das que mais aparece nas narrativas da mitologia grega. Hoje, falaremos da deusa Atena e, no caso, ela aparece várias vezes em narrativas de diversos heróis, sempre influenciando ali na jornada. E hoje estamos aí com o Yamada para me ajudar…

Juliano Yamada: Olá.

Leonardo: … e com o Pablo.

Pablo: Oi.

Leonardo: Então hoje todo mundo aí da equipe para falar de uma das deusas mais clássicas. Bom, a deusa Atena, como eu falei, é uma das deusas mais famosas e ela é muito conhecida por ser a deusa da sabedoria. Mas, como toda e qualquer divindade, ela possui outros domínios: ela também seria a deusa da guerra, pelo menos na questão da guerra estratégica; da coragem; da justiça; da vitória – tanto que a questão de ela ser deusa da vitória… às vezes a deusa Nike… eu, sempre quando leio, tento falar Nike, é meio que automático.

Pablo: Não, o nome da marca veio da deusa, não é

Leonardo: É, veio da deusa, mas aí você imagina falar Nike, por causa da pronúncia já, mas é o nome da deusa a marca, então vamos falar como está escrito.

Pablo: É, se eu não me engano, em grego é Niké.

Leonardo: Ah sim, já ouvi.

Pablo: Se eu não me engano, Niké.

Leonardo: No caso, a Niké é a vitória. Ela até é uma deusa mais na questão de personificação em si, e ela é a deusa da vitória, mas, no caso, às vezes é posto como a Niké sendo uma versão da deusa Atena, por causa dessa relação que a deusa Atena tem como deusa da vitória.

Juliano Yamada: A representação mais famosa da Atena, acho que atualmente, uma das representações mais famosas, mas é a mais conhecida, é ela com a deusa Nike em uma das mãos e o escudo com a cabeça da Medusa na outra mão, pelo que eu lembro.

Pablo: Se eu não me engano, essa estátua não é da Niké.

Juliano Yamada: Eu sempre tinha aprendido que essa aí era a Niké, mas acho que já tem algumas coisas falando que a Niké era sempre representada como uma deusa alada.

Pablo: É, se eu não me engano, ela é uma outra deusa meio que obscura chamada Palas.

Leonardo: Ah, da Palas a gente fala mais para frente. A Palas tem umas questões que se relacionam com a Atena, que são alguns personagens, e aí tem uma discussão assim: “Ah, veio disso, veio daquilo”. Aí mais para frente a gente chega a essa questão da Palas e Palas Atena. Mas, só continuando aqui os domínios, ela também é a deusa da razão, das artes, do artesanato, da literatura, das fiandeiras e bordadeiras. E essa questão de ser das fiandeiras e bordadeiras também tem uma relação com uma narrativa específica da deusa Atena, que a gente vai falar mais para frente, e com o fato de ela ser uma deusa tecelã, e aí, no caso, foi ela quem fez o vestido da Pandora. A Pandora, que recebeu dons de vários deuses, vários deuses ajudaram a construí-la, fazem algo ali para ela. No caso, o papel da Atena foi fazer o vestido.

Juliano Yamada: A deusa Atena era tão popular que ela não…

Leonardo: Que ela chegou a ter uma cidade.

Juliano Yamada: É, além da própria cidade, ela era uma deusa tão popular – a Atena, não a Minerva romana – que ela chegou a ser conhecida desde o norte da África – vinha do norte da África, Península Ibérica, que é atualmente Portugal e Espanha – e existem até registros dela na Índia e na Ásia Menor, de tão popular que ela era. Provavelmente, acho que a Ásia Menor e a Índia por responsabilidade do Alexandre Magno, pelo que eu lembro.

Leonardo: Sim, que foi levando-a e toda a cultura para outros cantos. No caso, a Minerva também tinha uma boa importância, só que aí já na época dos romanos, que ela fazia um trio com Júpiter e com uma outra divindade, agora esqueci o nome, mas era um trio na questão de serem os principais deuses, e isso pega também um quê dos etruscos, que também tinham esses três deuses, mas isso já voltado para a Minerva, para a versão romana.

Juliano Yamada: Se não me engano, acho que o terceiro deus era o equivalente do Apolo.

Pablo: Apolo é Apolo entre os romanos, mas, nesse caso, fica confuso, porque, como Apolo é uma divindade solar, e existem várias divindades solares que os romanos acabaram assimilando, então muitas vezes você tem algumas características para os romanos que acabam sendo mais próximas de outras divindades, como por exemplo Mitra. Algumas coisas que era de Apolo para os gregos, entre os romanos acabam sendo associadas a Mitra ou alguma outra divindade solar.

Leonardo: Mas aí falando da Atena mesmo, da versão grega, acho que para entendê-la bem, para ver as características dela, é interessante que começa bem no nascimento dela. Na verdade, até antes do nascimento em si, que vem muito relacionado com os pais dela, que aí no caso são Zeus e a deusa Métis. Zeus é o pai dela e Métis seria a mãe dela, mas a Atena teve um nascimento um tanto quanto diferente. No caso, ao contrário do que muita gente está acostumado a ver Zeus pulando a cerca, com Métis não foi isso aí. Ela é dita a primeira esposa de Zeus, não foi um relacionamento extraconjugal. E, no caso, Métis era a deusa da prudência, então já começa a ver algumas características até relacionadas, e, quando a deusa estava grávida, Gaia acabou profetizando que o neto da Métis iria destronar Zeus, ia pegar o lugar do rei dos deuses. Algumas versões citam que quem iria tomar o lugar de Zeus na verdade não seria o neto, e sim o segundo filho que ele teria com a Métis. De qualquer maneira teria esse problema de ter filhos com a deusa e perder o reinado. E aí o que ele fez? Ele não queria perder de forma alguma e, para evitar isso, ele pegou e engoliu a deusa, engoliu a própria esposa. Algumas versões mostram que ele que propôs uma brincadeira de transformação para ela, e ela, sem suspeitar de nada, se transformou em uma mosca, e aí ele foi lá, conseguiu aprisioná-la e a engoliu. Só que, nesse momento que ele fez isso, ela já estava grávida da deusa Atena, e aí passou o tempo de gestação. Conforme foi chegando a época, a cabeça de Zeus começou a doer, porque tinha algo ali. Ele morrendo de dor de cabeça, não sabia o motivo disso, pediu ajuda para o Hefesto, falou: “Meu, racha a minha cabeça aí para resolver o que está dentro aí, o que está causando essa dor”. Ele meio assim, mas foi lá, desceu o machado no crânio de Zeus, abriu a cabeça e, quando abriu, a Atena acaba surgindo dali. Surge já adulta, vestida e armada já, com lança e com escudo, e já dando um grito de guerra. Então é uma narrativa bem estranha, mas bem simbólica. Já quer dizer muita coisa ali. A Atena nasceu da cabeça de Zeus, então nisso você já vê o motivo de ele não querer, estar preocupado com a questão de ser destronado e tudo, da mesma forma como ele fez com o pai dele, que fez com o avô dele, então ia seguir isso aí, tanto que Gaia profetizou por causa disso, mas também você já vê as características da deusa Atena. Nesse ponto, você já vê a questão de ela ser uma deusa mais racional, já ser voltada para todos os domínios que a gente falou inicialmente: está muito ligada com a razão e muito ligada até a Zeus em si. Você vê muitas vezes na mitologia que ela – não vou dizer, assim, a preferida, sei lá – era bem próxima de Zeus, ao contrário até de Ares. Se a gente pegar, comparar com uma outra divindade relacionada à guerra, Ares era uma divindade que nem Zeus gostava muito. Tem acho que uma passagem que acho que está relacionada com a Guerra de Troia, acho que até está relacionada com a Atena, que Ares vai lá choramingar para Zeus – ele acaba apanhando lá – e Zeus não quer fazer nada ali. Agora, Atena já não. Atena já você vê que tinha uma proximidade com Zeus. Porque ser filho de Zeus não quer dizer nada na questão realmente de se aproximar ou não, já que Zeus tinha trocentos filhos aí, mas Atena já era mais próxima. No caso, por exemplo, tem a ideia, na narrativa do Tifão, quando ele vai atacar os deuses do Olimpo, logo que eles estão no Olimpo, muitos fogem e algumas versões mostram que só ficam Atena e Zeus para enfrentá-lo.

[Trilha sonora]

[Bloco de recados]

Leonardo: Algo muito comum para os deuses gregos é o fato de ter um animal relacionado à divindade. Zeus é a águia, se não me engano, e aí, no caso, a Atena é a coruja. A gente vê várias passagens mostrando isso, tem muito a questão de a coruja estar ligada à Atena. Zeus tem a águia, Hera tem o pavão e Atena tem a coruja. É interessante que a gente vê que é comum ter pássaros relacionados. Tem outros animais relacionados a outros deuses.

Pablo: Aí tem todo o simbolismo, na verdade, da representação dos animais: os pássaros estão ligados ao ar, eles estão muito mais ligados a questões de pensamento ou de elevação, e a coruja é uma delas. E, diferentemente de outros pássaros, a coruja é uma que observa muito, e muito das características relacionadas à deusa Atena acabam sendo relacionadas também a essa característica de observação. Tanto é que a coruja, a gente a vê no alto observando, mas a coruja também é carnívora, a coruja também caça, a coruja também é agressiva. Acaba espelhando muito a personalidade da deusa, que, por mais que seja observadora, da sabedoria e tal, ela também é agressiva, ela também é uma deusa relacionada às guerras, às batalhas. Então tem muitos paralelos ali que são feitos entre esse animal e a deusa.

Leonardo: E um evento grego muito famoso e que os deuses tiveram participação foi a Guerra de Troia, e, no caso, a participação da deusa Atena referente à Guerra de Troia foi até antes da própria guerra começar. A deusa Atena é uma das três deusas que participou da disputa para quem merecia a maçã que foi enviada para a mais bela. No caso, esse é o pontapé inicial da Guerra de Troia, que ocorre porque estava o casamento da mãe do Aquiles, da Tétis, e aí muitos deuses foram convidados. A única que não tinha sido convidada foi a deusa da discórdia, e aí a Éris, já puta com isso, já quis causar discórdia lá, e aí deixou essa maçã na qual estava escrito: “Para a mais bela”. Ficaram Atena, Hera e Afrodite brigando: “Então é para mim”, “Não, é para mim”, “É para mim”, cada uma das três estava ali querendo ser a mais bela, e aí ocorre toda aquela questão de que aí eles pedem para o Páris, que estava passando por ali, era só um pastor – primeiro pediram para Zeus, mas Zeus tirou o corpo fora para não se envolver com isso, sabia que ia dar problema.

Pablo: Zeus devia ser o deus da sabedoria, então.

Leonardo: “Chega aqui você que está passando por aí”, era o Páris, era só um pastor na época, e tem toda a sua origem troiana ali, mas aí tem a sua narrativa própria, e, no momento, ele era só um pastor. Chamaram: “Olha, você vai ser o jurado”. E aí cada uma das três deusas quis comprá-lo, e Afrodite, que foi a escolhida – por isso que é uma que mais marca – falou: “Você vai ter o amor da mulher mortal mais bonita”, e aí ele aceitou a propina da Afrodite e falou: “Então a maçã é sua”. É isso que gera tudo, mais para frente, de ele ir lá raptar a Helena de Troia, que seria a mortal mais bonita, e nisso gera a Guerra de Troia. Então a Atena esteve envolvida nesse primeiro pontapé para gerar a Guerra de Troia. Já na Guerra de Troia, quando começam em si os embates, a Atena estava do lado dos gregos – muitas vezes você vai encontrar como os aqueus. Muitas vezes você vai vendo sobre a Guerra de Troia, vai estar lá que ela está do lado dos aqueus, mas se refere aos gregos. Porque ficou dividido: alguns deuses estavam juntos dos troianos, inclusive Afrodite e Ares estavam ao lado dos troianos, porque Afrodite que foi escolhida por Páris, troiano, então ela foi defender; Ares, nessa época – tem algumas versões que mostram isso – estava junto com Afrodite, então foi junto ficar com os troianos. Algumas vezes mostra isso. E isso é interessante, porque aí a gente vê Atena diretamente contra Ares. Isso aí a gente vê bem aquela ideia de os deuses espelharem os mortais. Então está tendo uma guerra ali dos mortais, os deuses também estão se confrontando, tipo espelhando isso, e aí cada um ajuda: um deus faz tal coisa para ajudar, dá mais vitalidade para o guerreiro, vai acontecendo um monte de coisas. Isso são detalhes da Guerra de Troia. No caso, ficou, então, em certo momento, a Atena contra a Ares, e, se não me engano, é nesse momento que tem isso que eu te falei, que eu acho que a Atena acaba vencendo Ares e Ares vai choramingar aos pés de Zeus, e Zeus meio que dá um sai para lá, não queria saber disso, não. E aí que a gente vê o embate de Atena contra Ares. Não lembro agora de cabeça se tem alguma outra narrativa que mostre Atena enfrentando Ares sem ser na Guerra de Troia. Acho que não tem algo muito específico.

Pablo: Específico não. Alguns dizem até que a Guerra de Troia, a narrativa, foi uma espécie de recontagem do conflito entre os dois deuses, cada um defendendo um lado da guerra como um reflexo do conflito que eles sempre tiveram.

Leonardo: E nisso também você acaba vendo que Atena, como a gente já falou no início e a gente vai ver durante todo o episódio, era muito bem-vista pelos gregos de forma geral. Claro que na cidade de Atenas mais ainda, mas no geral, se pegar os deuses de uma forma geral, e, obviamente, excluir aí os troianos, ela era bem-vista, enquanto Ares era o contrário. Tem alguns locais em que Ares era bem adorado, mas, no geral, Ares não era muito bem-visto. Então você vê: como Atena era bem-vista para os gregos, ela está do lado deles, e Ares está do lado dos troianos, que eram o inimigo. Mas, como falei, essa é uma das narrativas em que ela aparece, porque na Guerra de Troia também tudo quanto é divindade, dos famosões, dos olimpianos, aparece, porque estava essa batalha, essa guerra. Mas ela tem muitas outras narrativas aí que a gente vai contar.

Pablo: Se eu não me engano, a destruição da cidade se deu porque eles roubaram a estátua de Palas, que estaria dentro da cidade, que estaria protegendo os muros de Troia.

Leonardo: Tem essa questão da estátua de Palas. Essa de Palas, a palavra mesmo, Palas, tem muitos detalhes, porque, ouvinte, você muitas vezes vai encontrar a deusa chamada como Palas Atena. Acho que toda divindade tem trocentos nomes diferentes e epítetos – não apelidos, epítetos -, então é comum uma divindade ter outros nomes, mas acaba sendo sempre o mais conhecido: Zeus sendo Zeus, Hermes sendo Hermes, tudo assim. Agora, Atena, apesar de Atena ser o mais comum, você encontra bastante Palas Atena. Quase que as vezes que você encontra Atena você também encontra Palas Atena, e ela tem um porquê – na verdade, até mais de um porquê – desse nome, que tem algumas variações. Tem essa ideia dessa estátua, que seria a estátua de Palas, que dava proteção aos locais, às cidades, então, se não me engano, até era posta… não lembro agora se era posta na frente, não tem um local específico que se põe, mas era para proteger, e aí aquela ideia: tirou dali, está sem proteção.

Pablo: Porque eles conseguiram invadir, entrar com o cavalo de Troia. A ideia do Ulisses – ele que bolou toda essa ideia – foi: “Vamos fazer o cavalo, a gente entra escondido no cavalo, destrói alguns barcos, esconde os outros, e aí, de noite, quando todo mundo estiver bêbado da festança, a gente vai e rouba a estátua que dá proteção aos muros. Tirando a estátua que dá proteção aos muros, os gregos do lado de fora vão destruir os muros”. Porém, todavia, entretanto, no entanto, eu fico pensando que, independentemente da estátua ou não, todo mundo bêbado na cidade ia ser bem mais fácil destruir qualquer muro e invadir e roubar, e entrar e destruir a cidade por dentro e por fora. Só acho que o fato de roubar a estátua ia ser meio que irrelevante para a vitória dos gregos, mas, dentro da narrativa, é isso que acontece. É necessário roubar a estátua de Palas, que é uma estátua relacionada à deusa Atena, e, inclusive, se eu não me engano, foi a própria deusa Atena que soou para Ulisses para que ele pudesse, para que ele soubesse o que fazer, e conseguisse fazer esse roubo e, consequentemente, derrubar e destruir a muralha para a invasão e vitória dos gregos.

Leonardo: Para não falar: “Ah, vocês venceram porque estão enfrentando um monte de bêbados”, então foi essa ideia da estátua.

Pablo: Por isso que eu acho que, muitas vezes, a estátua que a Atena está segurando, essa representaçãozinha às vezes é conhecida como a deusa Nike ou às vezes até mesmo essa deusa Palas, que é uma deusa diferente, que ela está segurando, que daria proteção. Tanto é que a palavra palácio, se eu não me engano, que é relacionada ao lugar protegido, está relacionada a essa divindade da proteção dos lugares.

Leonardo: E aí a gente tem o motivo desse nome, que aí tem uma controvérsia, porque, primeiro, ouvinte, se você for pesquisar como Palas, apenas Palas, você vai encontrar vários personagens com esse nome. Realmente tinha vários, inclusive até a Atena: você pode encontrá-la como Palas Atena ou apenas como Palas. Mas tem vários personagens, e aí tem dois que estão diretamente relacionados a essa deusa: um, que é meio que descartada essa versão, é um gigante que chamava-se Palas e, logo que Atena nasceu, ela já foi enfrentá-lo junto com os deuses, enfrentar os gigantes. E aí ela derrotou um desses gigantes, era o gigante Palas, e aí ela derrotou esse gigante e pegou esse nome. Mas tem alguns locais que você vê defendendo essa narrativa, mas tem outros locais que falam: “Não, não tem a ver”, e realmente eu acho que não pega tanto. Um outro que parece ter mais fundamento é um que ela é conhecida, as duas eram próximas, a Palas e a Atena, elas estavam treinando e, uma hora, a Palas ia atingir a deusa e Júpiter acabou se interpondo ali, entrando ali para não atingir a Atena, e acabou morrendo ali por causa da luta. Elas estavam lutando, Zeus interviu, aí ela não conseguiu se defender na briga, a Atena acabou meio que a matando, a ferindo. Com isso, meio que para se redimir do que fez, que a deusa acabou matando a Palas, acabou, em homenagem, fazendo o que é chamado de paládio, que é essa estátua. Então essa estátua que às vezes é vista também como Palas, por causa dessa personagem, também é chamada de paládio, aí que daria proteção aos locais, e foi quando a Atena pegou também o nome para ela. Essa é mais aceita, essa versão. Eu vejo que o Junito Brandão, muitas vezes quando mostra, ele fala: “Esse do gigante não tem…”, tem gente que defende aí, mas não tem muitos registros que os gregos teriam essa narrativa, é mais a dessa outra personagem, que aí você vê que até cria já esse paládio, que realmente isso do paládio existe, você encontra registros de terem essas estátuas para proteger e tem essa relação com Troia.

[Trilha sonora]

Leonardo: Bom, e aí a gente chega a algumas características da deusa, e algo que é bem conhecido dela é o fato de ela ser uma deusa virgem. Isso não é exclusividade dela, a gente tem Héstia, que também é a deusa da virgindade, é a deusa das virgens, Ártemis também é dita sendo virgem, até Hera tem algumas versões que mostram que ela é virgem, apesar de ser mãe, porque aí reconstituiria o corpo dela e tudo. Então você vê que virgindade é uma característica comum, mas Atena também tinha isso e isso tem muito a ver nas histórias seguintes dela.

Pablo: A ideia da virgindade da deusa é uma tentativa de Zeus se proteger, porque tudo remonta, de novo, à Titanomaquia, à vitória dos deuses olimpianos sobre os titãs. Só para lembrar essa história, Gaia teve, então, um marido chamado Urano – em algumas versões, filho dela – e, com Urano, teve vários filhos, e depois teve outros filhos, que se tornam ciclopes, e depois os hecatônquiros, que não eram tão bonitos quanto os primeiros, que eram os titãs. Então Urano prendeu esses outros filhos no Tártaro, e Gaia falou: “Não quero”. Então falou assim para o filho mais novo, que é Cronos: “Olha, faz alguma coisa, destrona lá o seu pai para ver se você solta os seus irmãos”. Aí está bom, ele foi lá e destronou o Urano, então castrou Urano, e, dessas partes cortadas que caíram no oceano, nasceu Afrodite. Só que ele não quis soltar os irmãos. Cronos, então, se casa com Reia e tem vários filhos, e, para que Crono evite ser destronado, ele devora todos os filhos. A esposa Reia, não querendo que isso aconteça, no último filho, ela troca por uma pedra, Cronos engole a pedra. Então Zeus, que é o filho mais novo, consegue crescer para ajudar Gaia a se vingar de Cronos. Então eventualmente ele dá um chá para Cronos vomitar e todos os filhos que ele engoliu são vomitados. Eu fico imaginando todo mundo crescendo dentro da barriga do pai durante todo esse tempo. Aí depois todos ajudam a lutar contra Cronos. E depois, quando eventualmente esses olimpianos, que foram seis – três homens e três mulheres -, e eventualmente outros seres que estavam ajudando, alguns gigantes, ninfas, deuses de rios, que acabaram os ajudando nessa vitória, destronam os titãs, Zeus usa inclusive dos ciclopes para poder ganhar, para ter essa vitória. Ele ganha os raios, que usa como arma, e os outros dois deuses… Poseidon ganha o tridente e Hades ganha o capacete da invisibilidade, eles usam para poder vencer os titãs. Só que, se eu não me engano, ele não quis dar total liberdade para os ciclopes e para os hecatônquiros, porque, afinal de contas, eles foram muito úteis para a vitória do Zeus e ele precisava ter mais relâmpagos e raios, então os ciclopes precisavam estar fazendo lá. Gaia não gostou, falou: “Olha, então da mesma forma como Urano foi destronado, Cronos foi destronado, eu vou profetizar que você vai se casar e você vai ter uma filha, e quando essa filha tiver um filho, esse neto vai te destronar”. Aí Zeus, nessa época, estava casado com Métis. Então Zeus tenta impedir o nascimento de Atena engolindo, mas não dá certo, porque Atena acaba nascendo com uma machadada para poder aliviar a dor de cabeça. Um parêntese: quebrar a cabeça de alguém que estava sofrendo de dor de cabeça era uma prática comum, chamada de trepanação. Inclusive, existem relatos arqueológicos de 15, 20 mil anos atrás de crânios com cicatrizes, como se um quadradinho tivesse sido cortado e recolocado, e esse quadradinho ficou aberto. Você, tirando esse pedaço do crânio, tem o alívio da pressão, porque a dor de cabeça tem várias causas – uma delas, e uma das mais constantes, é quando você tem um aumento de pressão intracraniana, ou seja, dentro do crânio, por conta das meninges, que são as várias camadas que protegem o cérebro, ou mesmo dentro do cérebro.

Leonardo: Atena era tipo um tumor na cabeça de Zeus, então.

Pablo: Quase, ela estava crescendo.

Juliano Yamada: Essa técnica de retirar o crânio acho que até hoje, em casos graves ou tumores, ou uma inflamação anormal da meninge, é usada ainda.

Pablo: Hoje em dia é um pouco mais fácil de você lidar, porque você consegue tirar um pedaço do crânio, fazer toda a cirurgia reparadora, inclusive retirar pedaço do tumor, retirar a meninge inflamada, cuidar ali para depois recolocar o pedaço do crânio. Só que, se vocês procurarem no Google trepanação, vocês vão ver os crânios ou cicatrizados, que claramente têm um quadradinho ali que foi retirado e foi colocado, aí cicatrizou o osso, calcificou ali em volta, ou simplesmente crânios só com o buraquinho que foi retirado e foi cicatrizado sem. São várias técnicas. Eu imagino que a dor devia ser tão grande para a pessoa autorizar, tipo: “Abre a minha cabeça para aliviar isso aqui, porque está muito forte”, e a pessoa não reclamar tanto de você ter um pedaço grande tirado. Mas, enfim, Hefesto fez essa trepanação, nasce Atena, e Zeus pensou – por isso que eu acho que às vezes Zeus deve ser o deus da sabedoria ou o deus da esperteza, não sei…

Leonardo: Ele tem a prudência, já que ele desenvolveu…

Pablo: Ele pensa: “Eu tenho que fazer com que a minha filha não tenha um filho, porque, quando ela tiver um filho, esse filho vai me destronar”. Então o que ele fez? Ele pegou Atena, levou-a até a margem do Rio Estige e a fez jurar que ela seria virgem para sempre, e ela, recém-nascida, não sabia o que era isso: “Então está bom, vou ser virgem para sempre, nunca vou transar com ninguém”, e ela conseguiu cumprir sua promessa de não transar com ninguém para evitar ter um filho, para que esse filho não destronasse Zeus. Então é por isso que Atena também é conhecida como uma deusa virgem, por conta da malandragem de Zeus. Porém, mesmo que ela tenha jurado virgindade, e ela cumpriu a virgindade, ela acaba indiretamente tendo um filho do jeito mais bizarro. Mas os deuses têm essas primazias.

Leonardo: É, o caso do filho de Atena – que aí o ouvinte vai ficar assim: “Ué?”, acabamos de falar que ela era virgem -, muitas vezes você vê que ele está mais até para um filho de criação, no sentido de que ela o criou, pelo menos em parte ali, e o nome dele é Erictônio, e esse nome até tem muito a ver com a origem dele. Aí o que acontece? Você vê também o Hefesto nessa narrativa, então de novo aí o Hefesto voltando. Nessa época, o Hefesto tinha acabado de ser traído pela Afrodite, aquele caso clássico da Afrodite ter traído o Hefesto com Ares e ele ter pego os dois, então ele estava desolado, estava mal ali e tudo, e Atena era até próxima do Hefesto. Se você pensar, é uma deusa guerreira, o outro é um ferreiro, então normal de eles terem algum contato. E ela foi até ele, ele estava na oficina, e ele olhou para ela, desolado ali, e não resistiu, o coração dele voltou a bater forte e foi para cima dela e realmente tentou violentá-la. Ela foi escapando da divindade, foi escapando de Hefesto, só que ele acabou, em certo momento, ejaculando na perna dela, e aí ela rapidamente já pega e limpa o esperma ali da perna e joga para o chão. O esperma caindo no chão, como a gente está falando de mitologia, obviamente vai ser fecundado, então a terra foi fecundada, e dali que nasceu Erictônio. A deusa pegou e guardou essa criança em uma caixa e deixou para as filhas de Cécrope – Cécrope, no caso, era o primeiro rei de Atenas, tem muita proximidade com a deusa, tem muito a ver com a origem da cidade, mais para a frente a gente entra nisso aí. Ela deixou essa caixa para as filhas desse rei, do Cécrope, cuidarem. E algo também muito comum na mitologia grego e você guardar algo e falar: “Não olha, não abre isso aí” – é fazer as pessoas ficarem curiosas e quererem abrir, e foi o que aconteceu. Elas abriram a caixa e viram uma criança com duas serpentes, ou então tem uma versão que mostra que ela tinha uma cauda de serpente. E essa ideia de ela ter uma cauda de serpente está muito relacionada com ele ser filho da terra. A gente falou filho de Atena, mas lembre-se que ele nasceu de uma fecundação de quando caiu na terra, e é muito comum ter seres que vêm da terra com esse aspecto de serpente, então outras divindades, outros seres que você encontrar com cauda de serpente estão muito relacionados a isso. E aí elas se assustaram, saíram correndo, se não me engano teve umas que ficaram loucas. E aí teve a punição delas, mas elas largaram e saíram correndo ali, se assustaram. A deusa foi lá e levou a criança para o templo dela e, de lá, ela cuidou. Então ela serviu como a mãe pelo menos também na criação do Erictônio, que inclusive acho que ele também virou um rei de Atenas, foi um dos primeiros reis de Atenas também. Mas esse é o único caso que a gente tem aí de um filho em si, o mais próximo que seria de um filho dessa deusa.

Juliano Yamada: A própria Atena não é encaixada como uma figura materna, ela é sempre encaixada como uma figura de sabedoria. Ela vai para a parte da sabedoria, enquanto outras deusas englobam essa parte de mãe também. Por incrível que pareça, você não tem esse encaixe de uma mãe exatamente.

Pablo: Porque mães não são sábias?

Juliano Yamada: Não exatamente, é porque a mãe é sábia, só que ela te prepara para o mundo, mas ela te prepara sozinha. Atena era vista mais como uma deusa que ensinava a todo mundo, ela preparava uma guerra, ela era a deusa da estratégia e tudo mais.

Leonardo: Pode não ter muito esse aspecto de mãe, mas ela é tutora. A Atena, já adiantando algumas coisas da pauta, quando a gente entrar (nos heróis) [00:34:45], é o encontro com a deusa na jornada dos heróis gregos, basicamente. Na jornada do herói, aquele basicão, tem um momento em que você encontra com uma deusa que te fornece itens, te mostra para onde ir, te fala o que você tem que fazer para continuar a sua jornada.

[Bloco de recados] Leonardo: Olá, ouvinte. Eu vim aqui passar uma nota para você, pois nesse momento do episódio eu disse: “Encontro com a deusa” me referindo a uma etapa da jornada do herói, sendo Atena uma representante dessa etapa em algumas narrativas, mas acabei trocando o nome. O correto é auxílio sobrenatural ou ajuda sobrenatural, ou então encontro com o mentor, e daí veio a confusão. Essa é uma etapa bem anterior ao encontro com a deusa. Imagino que seja até uma das etapas mais óbvias e talvez uma das mais usadas nas narrativas. O interessante é notar o quanto a figura feminina está ligada a essa etapa, talvez até em harmonia com a imagem do protagonista masculino, também em grande maioria, ainda que não seja incomum a figura masculina desempenhando esse papel. Foi só uma correção e, agora que foi feita, voltemos ao episódio.

Leonardo: Claro que acho que talvez outros deuses possam ter narrativas também relacionadas a isso, mas a Atena é bem comum, por isso que eu falei que tem muitas narrativas, ela aparece em muitas narrativas, porque a gente tem vários heróis. Perseu é um caso bem clássico disso aí. Não foi só ela quem ajudou Perseu, Hermes, se não me engano, também, mas ela está muito próxima do Perseu. Em algum momento ela foi lá e falou: “Não, está aqui”, ela deu o escudo, o Hermes deu outros itens, indicou para onde tinha que ir. Ele conseguiu seguir à batalha e depois retornou e até entregou a cabeça da Medusa para ela.

Juliano Yamada: Também tem outra coisa interessante aqui, que achei. De todas as deusas gregas, ela é uma das poucas que raramente ou quase nunca é mostrada nua. É uma característica bem forte da Atena. É raro encontrar imagens dela com uma parte dos seios à mostra, mas você não consegue encontrá-la representada nua. Isso é outra parte interessante. É sempre ou com vestimentas e sempre com armadura.

Pablo: Tentaram fazer isso com ela, ela não gostou e quase matou a pessoa, só não matou porque era um deus.

Leonardo: Ela nasceu assim, desde o primeiro momento.

Juliano Yamada: É, você vai mexer com uma mulher que está com uma lança em uma mão e um escudo com a cabeça da Medusa, que pode transformar em pedra, na outra? Acho que não.

Leonardo: Bom, mais uma narrativa relacionada à Atena é o caso do Tirésias. No caso, o Tirésias era filho da ninfa Caricló e, em algum momento, ele acabou encontrando a deusa e essa ninfa se banhando. Então aí, nesse momento, a Atena devia estar nua, mas então você vê que não é representado aí, mas elas…

Pablo: Ou não.

Leonardo: É, talvez. Mas ele não deveria ter feito isso, mesmo que tenha sido sem querer, mesmo que ele não tenha feito por maldade nem nada ali e tudo, ele acabou encontrando as duas, uma era a mãe dele, a ninfa, e a outra era a deusa, e aí a deusa ficou puta com ele. Para puni-lo, torno-o cego; já que o que ele viu não deveria ser visto, então tornou-o cego. Só que a ninfa, mãe dele, ficou assim: “Mas espera aí, não fez por mal, e aí? É meu filho”, aí “Não, beleza, então já que é seu filho e tudo, ok, você me convenceu, mas não dá para desfazer o que eu fiz. Ele vai continuar cego, só que vai, ao mesmo tempo, continuar com uma certa visão”, e aí, no caso, é a visão do futuro. Tanto a visão do futuro quanto entender a linguagem dos pássaros. Eu não sei o que algo relacionaria com o outro, mas ele ganhou esses dois dons: ver o futuro, então ele vira um profeta ali, e entender também a linguagem dos pássaros.

Juliano Yamada: Isso é uma, na verdade, até uma analogia para você enxergar ao longe, porque, ao entender a linguagem dos pássaros… os pássaros estão lá no alto. Por exemplo, está vindo um inimigo à frente, você não enxerga na estrada, mas os pássaros estão enxergando.

Leonardo: Aí o pássaro te conta.

Juliano Yamada: O pássaro te conta. Seria uma analogia à função dos dois corvos do Zeus.

Leonardo: De Zeus não, de Odin.

Juliano Yamada: De Odin, desculpa. São divindades parecidas, desculpa. Então entender a linguagem dos pássaros é você entender um animal que está lá em cima e consegue enxergar muito mais longe que você estando em terra.

Leonardo: Faz sentido. Mas essa questão também de linguagem dos pássaros, a gente vê como sempre foi vista essa ideia de o pássaro realmente falar muito, mesmo que não seja uma linguagem nossa, mas de emitir muito som. Não vê tanto a questão de estar falando com uma vaca, falando com um cavalo, não sei. Pássaro tem muito isso, o canto do pássaro, então essa ideia de ele se comunicar. O corvo tem muito isso também. Acaba sendo, digamos assim, um animal que falaria muito.
Juliano Yamada: Aqui, as características de pássaros em relação à parte mais mitológica: teriam a capacidade de enxergar longe, enxergar distantes e conseguir notícias de regiões longínquas e também enviar notícias.

Leonardo: Vai tudo relacionando aí, tanto grego quanto nórdico. A gente falou aí do Odin, tem essa relação do animal ir lá longe. É um pombo-correio.

Juliano Yamada: Exatamente, o pombo-correio é um pássaro. Ou um corvo-correio.

Leonardo: Quanto à deusa Atena, tem outras narrativas também que a mostram também com essa ideia de estar punindo. Ela ajudava a alguns heróis, mas também ela punia quando ela achava necessário. Uma bem famosa é a narrativa da Aracne. A Aracne era uma tecelã extremamente habilidosa, só que ela sabia que ela era boa nisso e ficava se gabando ao nível de se comparar com a própria deusa. E aí quem conhece mitologia sabe que isso vai dar merda. Ela ficava lá falando para todo mundo na cidade, mostrando que era melhor, que ninguém se comparava a ela e que ela era melhor que a própria deusa Atena, e mostrava que estava sempre pronta para desafiar a própria deusa. Um dia, falando isso para todo mundo, por onde ela passava, ela falava, ela passou por uma idosa e também falou que era melhor que a deusa. A idosa virou e falou: “Calma aí, você está sendo meio arrogante, você vai se dar mal com isso. Não quer ser um pouquinho mais humilde? Você está se comparando com uma deusa”, e a Aracne não, bateu o pé: “Eu sou melhor que ela sim e pronto”. A idosa, então, acabou se revelando ser a própria deusa, e aí começou a batalha. Aí imagina, ela com o capuz ali, encurvada, aí viu que a Aracne não ia ficar humilde, tirou o capuz e tudo, ficou mais reta ali e mostrou que realmente era a deusa. Aí começou a batalha, teve o início, e as duas começaram a competir para ver quem era a melhor tecelã. Só que acabou tendo um empate e aí a deusa ficou indigna, porque aí realmente ela estava sendo comparada com uma mortal. Ela rasgou a obra que a Aracne fez, aí a Aracne se sentiu humilhada com isso e tentou se matar. Não acreditou no que estava acontecendo, acabou tentando se matar. A deusa não a deixou se matar, só que, ao invés disso, pegou e transformou-a em uma aranha para que, já que ela estava falando ali que era extremamente habilidosa: “Então você vai ficar tecendo eternamente”. Essa narrativa põe a relação da aranha, da teia dela, você pode ver o nome da personagem, Aracne, ligada à aranha. Então é essa narrativa. E ela tentou se matar, mas a deusa não permitiu e acabou amaldiçoando, de certa forma, ali, porque a prendeu nesse formato e vai ficar tecendo aí para sempre. Então mais uma narrativa em que a Atena acaba punindo e enfrentando. Uma outra narrativa, e essa bem importante mesmo, é o enfrentamento da deusa com o Poseidon. Por que essa é bem importante? Porque isso já está relacionado com a própria cidade de Atenas, com a origem da cidade. Existia essa cidade, que iria começar naquela região, que muitas vezes é posto que isso está relacionado com a cidade de Atenas e às vezes com toda a região da Ática, onde ficava a cidade. Mas o que acontece? Estava para surgir essa cidade e aí essa cidade vai ser relacionada a qual divindade? E aí ficou entre Atena e Poseidon. Os dois estavam disputando para ver quem seria o patrono dessa cidade. Patrono pode ser usado para feminino? Agora eu fiquei na dúvida.

Pablo: Geralmente para feminino é utilizado patronesse.

Leonardo: Imaginava alguma coisa com M, sabe? Matrona, sei lá. Não sei, por causa da palavra eu imaginei algo assim.

Pablo: É que matrona é utilizado em outro contexto.

Leonardo: E aí ficou essa disputa dos dois deuses, e aí, beleza, então vamos ver como que a gente vai agradar as pessoas ali para ver quem elas vão decidir. Na verdade, quem realmente iria decidir, quem foi o juiz disso aí foi o Cécrope, que a gente falou, originalmente ali o primeiro rei de Atenas. Bom, pelo nome da cidade vocês já sabem quem ganhou a disputa, não é? Mas aí o que acontece? As duas divindades precisavam gerar algo para que esse algo fosse dado como bênção da divindade. Ia ser: “Ah, você deu esse presente aqui para a cidade, então a gente agradece, esse presente vai estar relacionado a você, então a gente vai sempre se lembrar dessa divindade”. Poseidon pegou o tridente, meteu ali nas rochas e dali começou a surgir água salgada. Em algumas versões até também água salgada e cavalos.

Pablo: A ideia era que não fosse só uma fonte de água salgada no meio da cidade, mas que fosse uma fonte de água salgada saindo das pedras, uma coisa bem magnífica para mostrar uma coisa assim: “Meus deus, como assim água salgada saindo… um pouco do mar saindo aqui de dentro dessas pedras no meio da cidade?”, para mostrar justamente a grandiosidade do deus dos mares, que estaria abençoando ali.

Leonardo: Ou seja, você vê que são os domínios da divindade, cavalos e mar. Então foi o que ele fez surgir dali. Chegou a vez da deusa Atena: ela fez surgir uma oliveira, algo que você pode pensar até mais simples talvez ou, pelo menos, menos magnífico do que toda aquela imagem da água jorrando das rochas. Poderia até ter essa imagem, mas muito mais útil para as pessoas dali. Estava vindo um alimento. Agora, água salgada… se pelo menos fossem os peixes da água salgada, mas era só água salgada, não dava nem para beber.

Pablo: E aí o fato de os cavalos serem selvagens e indomáveis também não adiantava nada. Podia ser todos os cavalos que fossem que eles não tinham utilidade.

Leonardo: Nesse ponto, a gente encontra duas características, além do fato de serem relacionados aos domínios dos deuses – Poseidon, deus dos mares e dos cavalos -, a gente vê também duas características deles: Poseidon sempre mostrando aquela questão da arrogância, de se impor, de ser algo grandioso, fez algo realmente visualmente grandioso; Atena, já uma deusa mais sábia, já pensou em algo útil, não pensou tanto na grandiosidade, mas algo que realmente seria útil para as pessoas dali, e aí pensou na oliveira. Dali então, obviamente, o Cécrope a colocou como vencedora. Por isso que aí surge a cidade de Atenas, é dali que vem o nome, com a Acrópole de Atenas, que é um local bem famoso, está até hoje lá – não do mesmo jeito que era antes, mas está lá no topo. É algo que se desdobrou historicamente, digamos assim. Isso é uma narrativa já relacionada com um quê histórico, no sentido de ser a origem de uma cidade. Cécrope, que foi o juiz aí, foi o primeiro rei da cidade – acho que nada mais justo -, e, com isso, todos os reis que foram vindo ali ainda em um quê mítico, todos próximos à deusa Atena. O Erictônio, que a gente falou, foi um dos primeiros deuses que implantou muitas das festividades na cidade. Então aí, quando você pega essa narrativa relacionada à deusa, relacionada à cidade, você já começa a ter aquelas narrativas que são para validar a história e os costumes daquele local. Tem até um local de Atenas que é chamado de Cecrópia, por causa do nome dele. Ele aboliu sacrifícios humanos, ele que organizou o culto aos deuses, ele foi fazendo tudo ali, organizando, tornando algo mais civilizada, porque aí realmente estava se tornando uma cidade. Era dito que ali tinha algumas tribos, ele que organizou e aí fez as primeiras leis. Então mostra bem, essa narrativa mostra bem isso aí, da civilização, algo urbano, algo mais social – características que a gente mostrou aí já que estão relacionadas com a deusa, porque ela não é uma deusa da natureza, do selvagem.

[Trilha sonora]

Leonardo: E mais uma narrativa de enfrentamento e relacionada com o Poseidon também, apesar de essa ter variações é visto que essa relação, que agora a gente vai contar aí, é meio que posterior, mas não deixa de ser uma narrativa, que está relacionada com a Medusa. A Medusa era uma sacerdotisa virgem de Atena, só que ela acabou se relacionando com Poseidon, acabou transando com ele. Porém, quando você vê também como é dita essa narrativa, a gente vê que não foi bem uma relação simplesmente, ele meio que teria a violentado. E o grande problema é: além de ela ser uma sacerdotisa virgem de Atena, e isso acabou com a virgindade dela, isso aconteceu no próprio templo da deusa. Então, se a gente pegar essa ideia de que Poseidon violentou a sacerdotisa, foi também uma afronta à deusa. Então Poseidon e Atena tinham essa rixa, então foi algo bem pesado. E aí, como punição, e isso fica meio tipo “Por que Atena foi fazer isso com a sacerdotisa?” – talvez porque não desse para fazer nada com Poseidon, por também ser uma divindade, a Atena tenha ido no elo mais fraco, digamos, da história, e acabou transformando a Medusa no monstro o qual ela é conhecida. Interessante que Poseidon fez isso com a sacerdotisa, a sacerdotisa foi punida pela deusa, a deusa à qual ela servia. E aí passou-se um tempo, Atena pede ajuda para o Perseu para combater a Medusa. É um ciclo que a própria Atena acabou criando, de certa forma, se for ver a lógica disso. Toda a narrativa do Perseu contra a Medusa, de ele ir pedir ajuda para a deusa, a deusa o guiou para chegar até lá, deu o escudo para ele, foi com isso que ele conseguiu cortar a cabeça dela, e, mais para frente, depois que utiliza a cabeça da medusa para também voltar para casa e enfrentar os desafios dele, ele a entrega para a deusa e ela a coloca no escudo que ela usa. Por isso que a gente tem aquela imagem da deusa Atena com um escudo com a cara da Medusa. Só lembrando, como eu falei, essa é uma versão mais recente. Tem a versão mais antiga, que, muito por vezes, você vê que a Medusa e as irmãs dela já eram assim; às vezes tem também questão de uma maldição, mas relacionada à Atena é essa questão desse embate com Poseidon e a sacerdotisa tendo perdido a virgindade. Ou seja, a Medusa só se ferrou, coitada. Foi estuprada, virou um monstro, foi decapitada.

Pablo: Tem uma curiosidade aí que tudo isso aconteceu que, quando então Poseidon violenta a Medusa, ela engravida de Poseidon, só que, como ela é amaldiçoada, ela não consegue dar à luz aos seus filhos. Quando o Perseu vai e decapita a Medusa, ela, então, consegue: do corpo da Medusa saem os seus dois filhos, que são o gigante chamado Crisaor – porque Poseidon tem um monte de filho gigante – e o Pegasus, que é o cavalo alado, que depois vai ser usado por Belerofonte.

Leonardo: Duas características relacionadas ao Poseidon: como você falou, ele tem muitos filhos gigantes e ele também é relacionado a cavalos – Pegasus sendo um cavalo. É interessante quando você começa a ver as características, mesmo isso sendo uma narrativa posterior, mas você pega esses elementos das divindades, características deles, você começa a ver uma lógica no que vai acontecendo, no sentido que, tipo, por que diabos nasce um gigante e um cavalo com asas do… muitas vezes mostra que é do pescoço – porque foi decapitada – dela? Mas o Poseidon tem a ver com isso, o Poseidon está relacionado com cavalos e com gigantes. Não fica menos bizarro, mas tem uma certa lógica.

Pablo: Faz um pouquinho mais de sentido.

Leonardo: A bizarrice é a mesma, mas a lógica faz um pouco mais de sentido. Bom, aqui a gente viu, até agora, enfrentamentos da deusa: contra o Poseidon, contra a própria Medusa, Tiresias, isso tudo, a gente viu isso aí; mas, como eu falei desde o início, de ela estar ajudando os heróis – o Perseu, a gente acabou citando, que tem a ver com a Medusa, mas vários outros heróis, e nem dá para falar de todos aqui – falar de alguns -, que a deusa acaba influenciando. Muitos dos heróis são protegidos de Atena, e tem algumas narrativas interessantes, por exemplo, do Tideu. Ele era um herói, era protegido dela e ele estava em uma batalha, estava prestes a morrer. A deusa viu isso aí, foi até Zeus para pedir imortalidade para o Tideu. Zeus concordou e tudo e ela foi retornar, ela voltou, o viu atacando. Estava ali agonizando, estava morrendo, mas estava ainda também atacando o oponente dele e estava comendo o cérebro do inimigo dele. Ele atacou e começou a comer o cérebro dele, então é uma coisa bem pesada. Tão pesada que a própria deusa ficou… acho que ela chegou ali, tipo, arregalou os olhos: “Meu, o que você está fazendo?”. Ela não esperava por isso. E aí ela falou: “Não, esquece, morre aí”.

Juliano Yamada: “Deixa quieto”.

Leonardo: “Deixa para lá, não tenho nada com isso, não” e voltou, e foi embora, deixou-o morrer. Ele ia ser salvo por ela, mas o que ele fez… ela… meio assim. Um outro é o Ulisses. Tem toda a jornada de retorno para Ítaca, para a casa dele, após a Guerra de Troia. Ela que vai ajudando, vai o guiando. Tem vários pontos ali que ela que vai ajudando e, se não me engano, no final, quando ele já chega em terra, que ele encontra o idoso, acho que é ela disfarçada.

Pablo: Isso eu não lembro exatamente, mas ela acaba ajudando-o muito durante, mas tem um idoso também. Na narrativa da Odisseia, que é onde a história é contada – só uma curiosidade para quem não sabe, Odisseia às vezes é dado o nome para uma grande viagem, porque, de fato, foi uma grande viagem de 10 anos de retorno de Ulisses até Ítaca, mas é porque o nome do cara era Odisseu em grego; Ulisses era o nome romano -, Atena aparece sempre sussurrando, dando mensagem, dando conselhos, aparece em sonhos. Ele fala para um amigo dele: “Olha, vai lá que está precisando”. Então ela acaba aparecendo indiretamente durante várias vezes e ela acaba ajudando em diversas situações durante a Odisseia.

Leonardo: Eu acho que era um mentor, se eu não me engano.

Pablo: Esse idoso era alguém já da cidade.

Leonardo: Foi logo que ele chegou, aí a Atena toma os traços do mentor e começa a orientar o filho do Ulisses, o Telêmaco, e aí auxilia o herói para chegar até onde estava a casa, que aí estavam a Penélope e estavam os pretendentes, que eles queriam logo casar com a mulher dele. Mas, no geral, em toda viagem Atena está sempre junto. Faz muito sentido a Atena ter bastante ênfase na narrativa do Ulisses, porque a gente mostrou que ela auxiliava muitos dos heróis, mas ela era uma deusa da sabedoria, e Ulisses é um herói que se destaca por isso, por não usar a força bruta, por ser algo mais estratégico mesmo, de ele saber se virar ali usando a cabeça em si, então algo próximo das características da deusa. Então faz sentido ela ter bastante ênfase na narrativa dele. E, falando da Guerra de Troia, que, no caso, está relacionada com o Ulisses, tem um outro herói que também participou da Guerra de Troia e, na metade da guerra, ele resolveu retornar para casa, pegar os navios dele e retornar. E aí Atena, mais uma vez disfarçada, tentou convencê-lo. Se não me engano, estava disfarçada de um amigo dele e tentou convencê-lo para “Não, continua aqui”. O herói ficou puto com isso aí, “Eu quero ir para casa, não vem falar nada”. Ele não sabia que era a deusa, mas ficou puto com isso aí, e acabou ferindo a pessoa que ele viu ali, o amigo dele, mas era, na verdade, a deusa. Em um sonho que ele teve logo em seguida, a deusa aparece para ele, e aí com a aparência mesmo da deusa Atena, e com a perna ferida. Logo em seguida, a cidade dele foi atacada por uma peste junto com ele. Ele tinha retornado. Para resolver isso, os oráculos falaram que tinha que erguer uma estátua da deusa com o ferimento na coxa, a estátua tinha que ter o ferimento. Quer dizer, acho que para relembrar, falar: “Olha, viu o que você fez? Não faça de novo”. Teve vários outros heróis aí que ela influenciou: o Belerofonte, que ela influenciou dando o Pegasus, que está relacionado com a Medusa, que a gente falou. Então isso é bem comum. Esses aqui foram alguns heróis, mas tem muitos outros aí que ela acaba não tendo uma narrativa grande ali, mas ela é essencial para a narrativa do herói. Em algum momento na narrativa do herói, ela acaba aparecendo. Não só os heróis em si, que são, tipo, humanos, mas muitas vezes são mais do que isso, porque muitas vezes são semideuses, mas com os próprios humanos, ela tem uma certa relação, porque algumas versões mostram que ela deu um néctar divino aos seres humanos quando foi criado por Prometeu. Então meio que é a ideia da vida em si ali, quando Prometeu estava criando. Ela tem uma relação também, então a gente também tem que agradecer aí à deusa.

[Trilha sonora]

Pablo: A gente passou o episódio inteiro sem referenciar Cavaleiros do Zodíaco, por quê?

Leonardo: Ah, porque eu não assisto, eu nem lembro. Como que era o nome lá? Porque tinha um outro nome, não tinha?

Juliano Yamada: Não, era a Saori Kido, que era a reencarnação da deusa Atena. Ela utilizava uma versão mais popularizada, do mundo pop, da deusa como salvadora do mundo e tendo que esperar a guerra dela com o deus Ares, que é representado pelo Grande Mestre falso – pelo Poseidon e depois Ares. E até hoje…

Pablo: Hades.

Juliano Yamada: Hades. E até hoje estão esperando, agora… como ela enfrentou os deuses e enfrentou o destino divino dela, agora estão esperando a última saga, que é a saga do Olimpo, que ela vai ter que enfrentar a ira de Zeus.

Pablo: Mas isso tem uma curiosidade, porque o cavaleiro herói de Atena é o Cavaleiro de Pegasus, da constelação de Pegasus, que tem a ver com essa história também do Belerofonte, que tem a ver com a história da Medusa.

Juliano Yamada: Desde a parte mitológica, o Pegasus estava do lado da Atena. Então na animação mostraram que o Cavaleiro de Pegasus era o mais próximo de Atena e foi o primeiro, e, até a última saga, o único que conseguiu atingir o poder de divindade, o poder similar a uma divindade, e conseguiu enfrentar outros deuses. Ele foi o único que conseguiu ferir o corpo verdadeiro do deus Hades, por isso que ele se escondeu e começou a ocupar corpos humanos. E também é dito que a deusa Atena começou a nascer como humana, por mais que ela fosse uma deusa e tivesse poder de um deus, para ser mais fácil para ela interagir com os humanos, por isso que começou o ciclo dela. E engraçado que ela não nascia de uma pessoa, ela simplesmente aparecia no pé da estátua dela.

Leonardo: É, já nascia armada e vestida, igual ao mito.

Pablo: Não, na verdade você tem uma armadura de Atena, que é oferecida depois, mas ela nasce uma criança, ela cresce como uma criança e, na história atual, que ela nasce como Saori, ela é adotada pelo Mitsumasa Kido e aí depois que é revelado. Aí o Mitsumasa tenta descobrir a lenda do santuário e as armaduras e tal, e aí toda a história que a gente vê, acompanhando o anime original, começa mais ou menos desse ponto, onde a Atena já está com 14, 15 anos, por aí.

Juliano Yamada: 13 anos.

Pablo: 13 anos?

Juliano Yamada: Na animação e no mangá ela está com 13 anos quando começa.

Pablo: Aí ele tenta ir atrás justamente dos guerreiros para poder protegê-la, porque eles já sabem da ameaça iminente.

Leonardo: Bom, finalizando aqui, as considerações. A questão da deusa Atena… eu gosto dela. Eu não conheço a questão de Cavaleiros, então não sei opinar muito, mas, sobre a deusa em si, eu sempre gostei, sempre achei interessante, mas é uma coisa que eu sempre fico pensando assim: a princípio, no quesito de ela ser uma deusa, então ser algo feminino, ela a princípio poderia ter uma imagem, força feminina, no sentido de ser deusa, ser guerreira e tudo mais, só que, ao mesmo tempo, a gente vê que ela está abaixo ali de Zeus, obviamente, por ele ser o rei dos deuses, a questão de ele fazê-la se tornar virgem – meio que a obrigou, ela não sabia o que estava fazendo, a fez jurar e ela não podia voltar atrás. Ela faz parte de narrativas masculinas, e, claro, a gente está falando de mitologia grega, isso é o padrão. É uma coisa a se refletir: ela é aquele ser inalcançável, que é muito comum em algumas narrativas, que é imagem feminina, só que inalcançável. Não é um protagonismo em si, ele é o inalcançável para o herói, para auxiliar ali o herói – o herói masculino em si que é o protagonista e esse ser feminino está ali para dar um empurrão. Isso a gente encontra em inúmeras narrativas, sejam míticas ou não.

Juliano Yamada: Tem um ponto interessante que a deusa Atena também é a representação da força, mas eu não diria força daquela chamada força bruta, que você resolve tudo na porrada; ela seria aquela força que você faz algo com jeito, você consegue resolver um problema pelo jeito, usando a sua força…

Leonardo: É a estratégia.

Juliano Yamada: … mais da estratégia. Até tem aquele ponto mais básico: ela é a deusa da guerra, mas da guerra estratégica. Você não precisa ser mais forte que o seu inimigo para derrotá-lo, você precisa só explorar a fraqueza dele, e esse é um ponto mais importante dela.

Pablo: A deusa Atena tem muitas representações dentro da mitologia e está relacionada a várias histórias diferentes, de vários deuses diferentes. É uma das deusas mais citadas e referenciadas; até mesmo, se a gente for considerar alguma lógica por trás da cronologia dos deuses, ela é para ser uma das deusas mais velhas, porque ela é filha de uma das primeiras esposas de Zeus. Porque ele teve sete esposas oficiais e uma delas foi Métis, é uma das primeiras, e ela foi, então, uma das primeiras filhas de Zeus nisso. Agora não lembro se é de fato a primeira ou uma coisa.

Leonardo: É, a Métis é a primeira.

Pablo: É a primeira? Então ela é a primeira filha de Zeus, então ela é a primogênita. Então ela está presente em muitas das histórias, desde ela pequena até mais adulta. É diferente de outros deuses que vão aparecer mais tarde. Então é uma deusa que vai aparecer bastante, que vai ter muitas referências. E ela acaba aparecendo também muito como sendo referência na ideia do próprio feminino, de uma forma geral, do que as diferentes culturas vão considerar como sendo digno para uma mulher. Então a ideia da virgindade, da sabedoria, a ideia do artesanato, até mesmo a questão da batalha, da estratégia. Você pode até conferir à algumas mulheres essa permissão, já que a deusa também seria relacionada a isso. Mas, como a sociedade grega não era uma sociedade feminista, muito pelo contrário, era uma sociedade extremamente patriarcal também, como todas as outras – é um dos berços, inclusive, patriarcais; a nossa sociedade é extremamente patriarcal -, por mais que você tenha nessa deusa uma série de valores nobres que não eram vividos por muitas mulheres, você não vê muito a defesa do feminino vindo dessas narrativas, tanto é que a própria deusa pune a Medusa em vez de ficar ao lado dela, em vez de ir atrás do Poseidon, que foi quem… aconteceu tudo isso, em vez de reconhecer que foi um abuso, um estupro… tem várias histórias que são contadas, por exemplo, que a Medusa que seduziu Poseidon. Então seria tudo trama dela para poder se vingar de Atena por algum motivo, sendo que a vingança quem queria fazer era o próprio Poseidon. Enfim, então tem muita coisa que é contada da perspectiva patriarcal e a deusa acaba sendo pintada de uma perspectiva muito patriarcal também. Nesse sentido, é interessante ver o quanto que a ideia de feminino pintada por Atena aparece como modelo para as mulheres dentro do patriarcado, principalmente uma mulher virgem, submissa ao pai – porque ela sempre esteve do lado de Zeus, sempre apoiou Zeus, nunca se rebelou contra Zeus, as guerras sempre foram para proteger Zeus -, por mais que fosse inteligente, por mais que fosse forte, por mais que fosse independente, ela sempre estava lá submissa. Então esse seria um dos valores: você quer ser forte, independente? Mas você também tem que entender o seu papel de submissão. Isso são reflexos dessa cultura e isso acaba refletindo muito durante todas as histórias, onde a gente vê às vezes até protagonistas mulheres contadas até pouco tempo atrás, que eu acho que só a partir do final do século 20 que a gente começa a ver um pouco dessas mudanças de atitude em algumas das histórias que a gente conta. E, inclusive, alguns psicólogos que fazem comparações mitológicas acabam associando a deusa Atena como uma das possibilidades de ser mulher, que isso aí a gente pega alguns paralelos, como se existissem quatro arquétipos básicos de desenvolvimento tanto do masculino quanto do feminino, só para poder ter uma comparação. Para o masculino a gente tem o homem selvagem, por exemplo, relacionado ao Tarzan, relacionado ao guerreiro, ao Hércules; você tem o homem sedutor; você tem o rei; e você tem o velho sábio. E para as mulheres você tem, então, a virgem, donzela; você tem a mãe; você tem a velha; e você tem a bruxa. E a donzela está relacionada também à Atena como uma dessas possibilidades, uma forma de você poder ser donzela. Mas o interessante é que, das visões de feminino dessa organização ontológica, elas são todas referentes ao masculino, menos uma, que é a bruxa. Ou você é donzela porque ainda não se casou ou porque ainda não conheceu um homem, ou você é mãe, ou você é velha sábia, porque você já passou por isso. A bruxa é aquela que não quis se relacionar com um homem, então ela acaba sendo vista às vezes até com esse valor negativo. Já o homem não, o masculino, você pode ser o que você quiser, não importante. Inclusive, todo o desenvolvimento do masculino independe da existência ou do feminino. E isso eu vejo dentro da mitologia como sendo não só reflexo da nossa cultura patriarcal e todo o machismo estrutural, mas, hoje em dia, que a gente está questionando todos esses valores, eu vejo complicado também a gente continuar reproduzindo esses mesmos valores nas histórias que a gente quer passar a contar. Só por que o mito contou desse jeito não quer dizer que ele precisa continuar a ser contado desse jeito. Por exemplo, no Cavaleiros do Zodíaco, a Atena vai lutar contra Zeus, como ela lutou contra todos. Então ela não tem esse papel de submissão; são os cavaleiros que são submissos à deusa. Então você pode ter inversões, você pode ter coisas contadas de forma diferente. Mas essa é só uma pequena reflexão que eu gosto de fazer sobre essa deusa na perspectiva dos dias de hoje. Valeu muito para poder manter a sociedade do jeito que foi durante tanto tempo, só que eu acho que, hoje em dia, vale a pena a gente rever esses valores e ver o que a gente precisa mudar, inclusive fazer as devidas adaptações daqui para a frente. Não necessariamente esquecendo das histórias, é claro que a gente tem que se lembrar das histórias da forma como foram contadas para entender os valores que as histórias estão contando, até para a gente saber o que a gente está reproduzindo ou não. Porque muitas vezes a gente reproduz esses valores sem saber. Mesmo sem conhecer a história, sem conhecer as narrativas, a gente está reproduzindo os valores. Conhecer as narrativas, como a gente fez hoje, nos ajuda a reconhecer esses valores até para saber se vale a pena ou não os reproduzir.

[Trilha sonora]

[01:12:28]

(FIM)