Papo Lendário #211 - Amazonas e Valquírias

Papo Lendário #211 – Amazonas e Valquírias

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo Mitocôndria, Juliano Yamada e Nilda Alcarinquë conversam sobre as amazonas.

Conheça quem foram essas guerreiras da mitologia grega.

Ouça sobre outros grupos de guerreiras, como as Icamiabas, Onna-bugeisha, e as guerreiras de Daomé.

Veja a relação das amazonas e valquírias.

– Esse episódio possui transcrição, veja mais abaixo.

— LINKS —

Video sobre as guerreiras curdas e outras mulheres guerreiras

— EQUIPE —

Pauta, edição: Leonardo Mitôcondria
Locução da abertura: Ira Croft
Host: Leonardo Mitôcondria
Participante: Juliano Yamada e Nilda Alcarinquë

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— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

[Trilha sonora]

Leonardo: Muito bem, ouvintes. E no episódio de hoje vamos falar das amazonas. No caso, então, é algo relacionado à mitologia grega, mas a gente vai um pouco além disso, pois a gente vai passar por outras culturas aí que possuem, tanto de forma histórica quanto de forma mítica, conceitos semelhantes sobre as amazonas. Então vamos usá-las como elemento central, mas dá para conversar sobre outros exemplos. E no episódio de hoje, para falar disso, estou com o Yamada…

Juliano Yamada: Olá.

Leonardo: … e com a Nilda.

Nilda: Olá, povo.

Leonardo: É um tema que a gente nunca tinha abordado em um episódio específico, mas a gente vai acabar citando elementos de outros episódios. Bom, começando das amazonas, o pessoal conhece muito esse conceito, quem elas são e tudo, porque acaba indo um pouco para a mídia, algo mais pop. Eu acho que a amazona mais famosa de todas é a Mulher Maravilha, então o pessoal acaba conhecendo por ela, mas obviamente é da mitologia grega, então tem narrativas, tem personagens míticos aí e que, claro, são bem diferentes de como é representado na Mulher Maravilha, mas tem também suas semelhanças. Não existe uma Ilha Paraíso, com esse nome, na mitologia. Na mitologia, é um reino de guerreiras e aparece em vários mitos gregos, e aí tem-se a hipótese do nome. O nome das amazonas em si é bem forte; não é por nada que a gente tem um estado com esse nome, porque tem uma certa relação aí, que mais para frente a gente chega nisso. Mas o nome Amazonas, como um grupo de guerreiras, é algo forte, tanto que virou até uma definição.

Nilda: Definição para guerreira.

Leonardo: Isso, para grupos de guerreiras. Tanto que, ouvinte, aqui a gente não vai falar de personagens guerreiras em si, diretamente; a gente vai citar esses grupos de guerreiras, porque guerreira por si só a gente tem inúmeros exemplos históricos e míticos que mais para frente, em outros episódios, a gente pode citar, mas aqui hoje é sobre esses grupos de guerreiras.

Juliano Yamada: Nas competições também. Até hoje em competições olímpicas de hipismo mulheres são amazonas.

Leonardo: O nome até, amazonas, não se tem muita certeza da origem. Tem duas ideias em geral que uma significa o fato de elas cortarem um dos seios para melhorar o manejo do arco e flecha, e a palavra queria dizer isso, sem o seio; e outra é: tem-se a ideia de uma tribo iraniana que chamava ha-mazan, que significaria guerreiros. Mas a primeira hipótese, essa do seio, é uma que você, ouvinte, vai ouvir bastante, só que não se tem nenhuma prova iconográfica, você não vê nenhuma caracterização das amazonas com isso. Então não dá para dizer realmente que é isso. Esse da tribo também não se tem tanta certeza. Então é isso, não é nada certo. Tem essas duas hipóteses.

Juliano Yamada: É bem mais fácil inventar o sutiã do que cortar um dos seios, não é?

Nilda: Sim. E outra coisa: muita coisa a gente tem hoje sobre os gregos que vem de traduções ou interpretações erradas de coisas que se encontrou. Então no século 17, 18, 19, os europeus voltaram a estudar mitologia, encontraram textos, a arqueologia surgiu, começou a se traduzir textos, e muitas dessas coisas foram traduzidas tendo em mente o pensamento do século 18 e 19. Então corre o risco de algumas dessas interpretações serem traduções erradas – não é difícil que seja tradução errada da coisa, porque pode ser apenas assim: “Ah, elas amarravam o seio de uma maneira que o deixasse mais firme para não atrapalhar”, e nisso a palavra é confundida com cortar e você traduz como cortar. Tem muito exemplo disso em tradução. Até do inglês para o português você tem coisas erradas; você imagina você pegar um texto grego antigo descrevendo, sei lá, uma peça de roupa feminina da época. Podia ser isso, a gente não sabe dizer exatamente o que aconteceu. E junta isso com uma época que você está estudando, você está revitalizando o estudo dos gregos, que é uma época em que a mulher é tida como frágil, não monta a cavalo, não luta, não atira arco e flecha, aí você tem novos estudos, novas arqueologias, você vai vendo que talvez a coisa não seja bem aquilo, como esse exemplo das representações. Se você não tem nenhuma representação dizendo que está faltando seio, de onde tiraram isso?

Leonardo: É, eu, pessoalmente – opinião minha mesmo sem estar baseada em muitas coisas -, dou mais crédito para esse da tribo, de ter uma tribo que tem algum nome mais parecido. Eu acho mais fácil isso aí do que o do seio. O do seio eu sempre fiquei meio assim; quando eu fui pesquisando, mais ainda. Um principal motivo: por causa disso, por não ter nenhuma representação nem nada, e não é nem representação artística, que veio depois; é citar isso nos mitos, nas narrativas, e não tem nada de coisa iconográfica, vaso, nada assim que mostre as amazonas nunca tem isso aí. Então eu fico meio assim, acho que alguém falou e foi indo nisso. Agora, a questão de ter uma tribo, a gente vai ver aí ao longo do episódio que esse conceito de uma tribo de mulheres guerreiras, de um grupo guerreiro de mulheres, tem um quê histórico – não só histórico como até geopolítico, porque tem coisas até mais recentes -, principalmente ali na região e tudo, era muito mais fácil. O próprio conceito das amazonas vem muito disso: tem o mito, tem a narrativa, mas tem uma forte possibilidade de ter sido baseado em grupos que existiram historicamente. Arqueólogos, de um tempo para cá, encontraram lá na Rússia túmulos de guerreiras citas – estavam enterradas todas com os equipamentos, com várias coisas que você, já tendo a ideia das amazonas, faz uma relação. E são guerreiras citas. E, nas amazonas, quando é dito de onde elas são, a Cítia é um dos lugares dos quais elas poderiam ter vindo. São a Trácia, a Cítia, a Lídia e tem outros nomes, outros locais. Acabam sendo esses aí os que mais se fala. O da Trácia é até interessante para a gente ver como elas são vistas dentro da visão grega daquela época – mais para frente a gente entra nesse assunto, mas, só para localizar o ouvinte, elas são dessas regiões e elas são filhas do deus Ares e da ninfa Harmonia. E aí você vê como a maternidade delas não faz muita diferença, porque essa ninfa… às vezes você encontra a Harmonia sendo uma divindade, que seria a Concórdia, então é a antítese da discórdia, da Éris, e aí, no caso, a Harmonia seria filha de Ares. Então é meio diferente dessa ninfa. Então não tem muita importância quem é realmente a mãe delas, o mais importante é elas serem filhas de Ares, porque são guerreiras, então são filhas do deus da guerra. Você percebe a maior importância para o que elas são, para como elas são. E aí é aquela coisa clássica: é um reino composto só de mulheres, e aí fica assim: ou é só de mulheres ou então os homens que têm ali algo mais servil, e aí elas acabavam indo até outros reinos, ou então, quando vinham estrangeiros, elas procriavam, transavam ali e aí, se nascia filha, virava uma amazona; se fosse filho, ou virava esse serviçal – os homens que trabalhavam lá – ou era castrado, ou os dois, seria castrado e viraria serviçal -, ou era expulso, abandonado ou morria. Ou seja, não se tornava alguém realmente do reino em si, porque ou ele era morto, abandonado, expulso, ou se tornava uma profissão que não faria diferença, não era visto como algo digno, digamos assim, era um serviçal.

Nilda: É, eu vejo muito nessa versão dos homens inferiores no reino das amazonas um certo… assim, você fala mal de reinos ou locais matriarcais, em que a rainha tem mais poder que o rei, em que o nascimento de uma filha é mais festejado que o nascimento de um filho, e várias sociedades têm isso, só que não necessariamente por isso você tem homens inferiores ou não. O que você tem são papéis sociais diferentes, e isso pode ter causado muita estranheza para o grego. Se você tem um papel social entre os gregos em que o guerreiro é o homem, o rei é o homem e tal, e você entra em contato com uma sociedade que não é assim, você começa a imaginar que é totalmente o contrário, que o homem não tem valor, e que talvez não seja isso, talvez sejam apenas valores diferentes, papéis sociais diferentes. Eu falo isso porque, por exemplo, entre os povos ameríndios, tanto do Brasil, mas principalmente na América do Norte, você tinha as tribos ancestrais, que eram várias tribos indígenas que já estavam começando a se unificar pouco antes da chegada do europeus, em que o papel das mulheres nessas tribos era extremamente importante. Quem caçava e guerreava eram os homens, mas elas eram importantes na escolha de quem mandava; dentro das aldeias, a palavra final era delas. A palavra dos homens só valia para alguns assuntos; para outros assuntos, não valia. E uma coisa que os europeus estranhavam era que os homens não praticavam agricultura, e, quando essas tribos começaram a entrar em contato, foram se convertendo, um problema grande que tinha era que os evangelistas queriam obrigar os homens a ir para a agricultura, e eles diziam que aquilo era castrá-los, porque agricultura era coisa de mulher. Então você pensa: “Não, mas espera aí, o que está acontecendo?”, mas são só papéis diferentes dentro da sociedade. Não necessariamente o homem é inferior, mas isso dá um choque para qualquer sociedade, e você tem exemplos recentes, de 500 anos atrás, 400 anos atrás, desse tipo de choque acontecendo no continente americano, e a única coisa que acontecia era que realmente era papel social diferente. Não é superior ou inferior: seu papel é esse, o meu é esse aqui e tudo bem.

Leonardo: E é interessante você ter posto isso aí, essa questão dos papéis diferentes e esse baque que dá, porque querendo ou não a gente vai conhecer as amazonas… vamos considerar que tinha um reino dessa forma ali, então a mulher ali reinava, ok, mas a gente vai ver isso com a visão de um grego médio. Então a gente vai estar com um filtro.

Nilda: Mais ainda: é o grego médio cujos textos foram traduzidos pelo europeu renascentista ou europeu moderno médio.

Leonardo: E aí, vendo isso passando por essas outras visões, a gente pode ter uma deturpação ou então, no mínimo, uma má imagem, tornando-se às amazonas com uma má imagem. E aí, quando você analisa a imagem que a gente encontra, mítica, já que outras coisas a gente ainda não encontrou – no máximo encontra alguns resquícios de que aqui houve uma tribo de guerreiras assim -, quando a gente tem no mito grego, a gente as vê como oponentes, como algo selvagem – e lembrando que, na época, para os gregos, algo selvagem era facilmente visto como algo ruim, principalmente dependendo da época que você põe, principalmente de onde vem, tipo a cidade de Atenas, coisas assim. Então você pode colocar a selvageria como algo não desejado. Isso liga com a questão da Trácia que eu tinha dito anteriormente. A Trácia era um dos poucos locais – comparado no geral – que tinha uma adoração até forte com Ares. Vamos lembrar que Ares, para os gregos, não era muito bem visto, diferentemente de Marte para os romanos. Mas a Trácia era um dos poucos que realmente tinha uma certa adoração boa a esse deus. Com isso, os gregos viam os trácios como um povo bárbaro, como algo bem selvagem, violento e não desejado, por mais até que todos os gregos guerreassem. Você ter guerras e ser guerreiro é diferente de você – nessa visão – ser alguém que só pensa nisso, que só é um selvagem, sem uma civilização. Então os trácios eram assim, e aí, se coloca uma tribo de guerreiras que são filhas de Ares… em nenhum momento até, fora acho que na Mulher Maravilha, coloca-se que elas são necessariamente contrárias a Ares. Elas não são oponentes dele em si. Então elas são filhas dele, são da Trácia, um local que realmente é de seres selvagens, seres violentos, e de forma pejorativa. Ou seja, a gente vai ver nos mitos, nas narrativas, as amazonas dessa forma, como violentas e oponentes, e que, muitas vezes – isso mais no final a gente conclui comparando com outras culturas – a gente vai vê-las como… elas não deveriam estar com esse papel. Elas estão reinando, não deveriam reinar; elas estão guerreando, não deveriam guerrear. Elas deveriam fazer o papel feminino, mas não estão, então elas estão erradas, então são um oponente. Isso é uma forma de enxergar, principalmente por algumas narrativas de quando se tem o encontro de alguns heróis com algumas amazonas, e aí a gente vai citar algumas delas. Em geral, ouvinte, você precisa ter noção que, por causa também de transpassar pela visão dos gregos, as personagens narrativas das amazonas, principalmente as personagens específicas, se confundem bastante. Então a gente tem o mais básico, que seria a chamada de Otrera, e Hipólita, que são as mais famosas, são as rainhas. A Otrera, se não me engano, é a que é considerada a primeira. E aí lembra que eu falei de elas serem filhas da Harmonia: quando se coloca essa Otrera, põe-se que ela que era a rainha das amazonas, a primeira, e se uniu com Ares. Já descarta aquele negócio da maternidade daquela ninfa. Então se tem ela com essa importância e tem-se a Hipólita, que tem toda uma narrativa com ela. Outras personagens se confundem bastante. Às vezes você vai encontrar personagens femininas que foram importantes ali em um momento, então você também encontra uma versão amazona dela. E como assim? Tipo, ah, essa mulher guerreou ou lutou ali? Foi algo importante? Então ela seria uma amazona. Entra nessa questão. Então se confunde bastante. As amazonas, com isso, acabam sendo mais uma imagem de algo, mesmo que tenham um quê histórico – porque seria isso, a tribo das guerreiras -, do que algo realmente ali mais fixado em si, mais complexo mesmo. Acaba se diluindo a imagem delas nisso, enfraquecendo, de certa forma. E aí a gente tem a Otrera, a gente tem uma outra chamada Pentesileia. Ela é considerada a irmã, algumas vezes é posta como a irmã da Hipólita.

Nilda: É, a Pentesiléia apareceu na Guerra de Troia, de vez em quando ela é mencionada.

Leonardo: Isso, é mencionada na Guerra de Troia, mas você vê, fica só mais a menção ali dela, então elas são personagens que compõem narrativas, outras narrativas. Essa próxima que eu vou falar, que é a Myrina, também chamada de Esmirna, segundo um autor, ela declarou guerra – ela era amazona – a Atlantis, que estava ali, país vizinho da Líbia, e tem uma cidade – ela construiu uma cidade – com o nome dela. Ela atacou os atlantes, destruiu e construiu a cidade dela, com esse nome. E aí, mais para frente de elas terem sobrepujado os atlantes, os atlantes mesmos, restantes, pediram ajuda às amazonas para que os ajudassem a lutar contra as Górgonas. Então calma aí, ouvinte, que aos poucos você vai entender, porque esses nomes estão meio confusos. A Myrina foi lá, enfrentou, junto com as amazonas, e venceu. Algumas das Górgonas conseguiram escapar e aí foram lá, se apoderaram das armas e mataram também boa parte das amazonas. Mesmo assim perderam, mas a luta se prolongou. Mais para frente, ela conseguiu conquistar tudo, teve ajuda dos atlantes – ou seja, anteriormente ela tinha vencido os atlantes, mas depois teve o auxílio deles -, e foi para… ouvinte, você vai se confundir mais ainda agora: ela foi para o Egito, onde Hórus estava reinando, e aí tiveram algumas batalhas, e aí depois fizeram um tratado de paz. E isso ela continuou indo para outras regiões e também guerreando, dominando. Foi para a Arábia, foi para a Síria, foi a vários locais que ela foi conseguindo dominar mesmo ali, até que foi morta por um rei chamado Mopso, um trácio até, tinha sido expulso de lá e aí acabou matando-a. Ou seja, meio confuso se você for pegar as referências que se tem, mas lembrando que isso aí é de um autor específico, um autor antigo, autor da Biblioteca Histórica, Diodoro Sículo. Ele que conta essa história. E, assim, essa narrativa tem mais um quê de construção histórica do que mítica mesmo. Mostra bem que ela foi uma história bem criada, não era do povo em si, era algo bem artificial, bem para dar umas explicações.

Nilda: É uma amazona que surge no continente africano, no norte da África, e depois vai em direção à Síria, que é perto da região das outras amazonas, porque a Trácia é aquele pedacinho… hoje em dia, seria aquele pedaço da Turquia que fica no continente Europeu. Não é exatamente aquilo, mas é aquela região ali. A Trácia faz parte do que é aquela região hoje. E a Cítia, que seriam as outras, fica ali no Oriente Médio, indo em direção à Síria e indo em direção também ao que hoje é o Iraque, o Irã. Então o cara fez uma história que fez surgir do Egito foi espalhando as amazonas pelo resto do continente, mais ou menos isso que ele fez? É um romance histórico praticamente?

Leonardo: E aí algo que deve ter assustado muito o ouvinte foi quando eu citei as Górgonas, mas há quem diga que isso era uma tribo de amazonas, então seria um grupo específico ali de amazonas da Líbia, que aí os gregos teriam, para denegrir a imagem delas, transformando-as em monstros. Isso aí, tudo que eu falei desde o início até a questão das Górgonas, é o que contribuiu para aquele conceito evemerista que se tinha, que eu não sei se ainda tem. Eu acho que é meio ultrapassado você pensar evemerismo excessivo atualmente, mas o que é o evemerismo? É você considerar que todo mito, toda divindade, todo personagem ali teve um fundo histórico, foi baseado em conceitos históricos, em personagens históricos, que, desde o início do episódio, eu falei: “Ah, tem algumas coisas que você pode colocar um quê histórico no conceito das amazonas”, mas falar isso é uma coisa; agora, você colocar que tudo mítico tem um fundo histórico, aí já é outra, como por exemplo colocar as Górgonas, colocar todo esse conceito das amazonas nisso. Então essa narrativa que se tem da Myrina vai muito para esse lado evemerista. Colocou até Hórus ali, então você vê. Já colocou os atlantes, colocou um monte de coisas ali pondo um quê histórico. Aí já… não sei, o evemerismo me incomoda um pouco por esse lado excessivo que ele possui. Bom, seguindo: outras personagens amazonas: a gente tem uma chamada (Cleti) [00:23:01], que era ama da Pentesileia, então mais desconhecida ainda, mas se tem uma pequena narrativa que, após a morte dela, da Pentesileia, em Troia – que a gente falou que na narrativa de Troia ela morre – essa (Cleti) [00:23:17] tentou regressar para o país dela, mas uma tempestade acabou mandando-a para o litoral da Itália e aí ela acabou fundando uma cidade com o nome dela. Ela morreu mais tarde ali. Só que você vê que o principal dela é o quê? Ela servia uma amazona mais conhecida e fundou uma cidade com o nome dela. Isso a gente encontrou na Myrina também, que fundou a cidade dela. Tem outros personagens assim. Então muitos desses personagens das amazonas servem assim: tal cidade com tal nome foi fundada por um personagem com esse nome. Isso é comum, heróis fazerem isso, personagens gregos em geral, e aí colocam algumas amazonas para isso. Ou seja, sem nada muito aprofundado. A gente está vendo aqui que personagens amazonas não são protagonistas em si, elas não são personagens fortes. Infelizmente não tem isso. E tem uma outra chamada Molpadia, que é uma das amazonas que foi até a Ática, que eles foram guerrear contra o rapto de uma outra amazona, que Teseu raptou uma amazona chamada Antíope, e aí as amazonas foram até a Ática para guerrear e Molpadia era uma dessas que estava marchando. Então também não tem nada muito aprofundado dela. Só que, assim, a Antíope já é um pouquinho mais aprofundada no fato disso que ela fez, ela foi morar lá com Teseu na Ática – e algumas versões mostram que foi raptada, outras versões mostram que ela foi de vontade própria -, ela se apaixonou por ele – às vezes é um rapto, às vezes não, mas ela se apaixonou – e lutou ao lado dele, então ela acabou sendo morta por uma flechada da Molpadia, e aí o Teseu vai lá e a mata. Então um monte de violência aí, violência gerando violência. Uma outra chamada Pitane, que aí também é uma que fundou uma cidade com o mesmo nome dela, então é isso a história da personagem. Então você vê que são só nomes; são personagens para justificar o nome. E aí, por fim, nós temos a Hipólita, que acho que deve ser a amazona mítica mais famosa, a qual você mais escuta o nome em si. Ela até que tem algo mais descritivo em si dela.

Juliano Yamada: Dependendo da era dos quadrinhos que você pega, ela vira a mãe que concebeu; tem vezes da origem que ela é filha de Ares, tem vezes que ela é filha de Zeus, tem vezes que ela é filha de Hades…

Leonardo: De Hades?

Juliano Yamada:

Já teve uma versão que ela foi apresentada como filha de Hades. E a mais comum é que ela foi gerada do barro, porque a Hipólita queria ter uma filha e Zeus deu vida a essa peça de barro. É a versão acho que da Era de Prata; a Era Moderna eu não sei mais nem como está, está tão zoneado.

Leonardo: Eu sempre conhecia como ela sendo… mas gostei dessas várias versões, isso é bem mitológico mesmo. O que eu conheço é de ela ser filha de Hipólita, mas ela só criou do barro, então seria tipo uma mãe de criação em si, e aí quando teve a mudança para os Novos 52. É a única mudança que eu conheço, que aí mostrou que, na verdade, a Mulher Maravilha sempre achou que era isso, mas aí descobriu que ela era filha de Zeus. Aquela coisa clássica de Zeus ter filhos com as mortais, então a Diana era uma semideusa. Eu gostei dessa versão.

Juliano Yamada: Tinha uma história até dos quadrinhos que ela podia ser até filha de Hércules, que surgiu por causa do estupro. Mas aí foi apagada faz muito tempo e atualmente é mostrado só ela como filha de Zeus, que ela seria a última semideusa, a última filha mortal de Zeus.

Nilda: Tem a teoria – não é das histórias em quadrinhos – que roubar o cinturão de Hipólita, na verdade, é transar com a Hipólita ou tirar a virgindade de Hipólita.

Leonardo: Seria uma interpretação da narrativa. Bom, e aí a Hipólita, como eu falei, tem uma descrição maior, ela tem mais imagem em si, principalmente graças ao Hércules, porque ela está em uma narrativa dos 12 trabalhos do Hércules. O Hércules, como a gente citou, tem a narrativa do cinturão de Hipólita, onde o Hércules vai até o reino das amazonas, e aí muitas vezes coloca-se que o Teseu estava junto com ele, e aí isso tem aquele lance de ele ter raptado a outra amazona, mas aí eles vão para lá e ele vai com esse intuito de pegar o cinturão da Hipólita, que era um dos trabalhos dele fazer isso. Esse cinturão era um cinturão que Ares tinha dado para ela para mostrar o poder que ela tinha, mostrar ali de ela ser a rainha. Aí começam já as variações: tem uma versão que põe que a Hipólita entregou para ele, não teve problema até esse ponto; tem outras que ele tomou à força; tem outras que mostram que teve sim um embate, ele ganhou e aí, com isso, conseguiu o cinturão. Mas em todas as versões termina em problema, porque mesmo nessa que ela concorda em dar o cinturão, é dito que Hera estava ali entre as amazonas disfarçada, entre uma delas, como uma amazona, e – sempre a rixa de Hera e Hércules – ela que lançou o boato de que ele estava indo lá para raptar a Hipólita, que ele estava lá para causar problema. Então tem isso tudo e aí que começa o embate.

Juliano Yamada: O Héracles, o Hércules, encontrando a Hipólita… tem várias versões. A versão que eu acho que é a mais acertada é de que provavelmente o Hércules foi lá, roubou o cinturão – teoricamente, tinha roubado a virgindade da Hipólita – e, no final, acabou escravizando… tem uma boa história que mostra o Hércules escravizando boa parte das amazonas, ele participando da escravidão delas.

Leonardo: Você vê que sempre vai terminar no embate, sempre vai terminar elas como oponentes. Quando se coloca que o Teseu estava junto, como disse, aí vai além dessa narrativa do Hércules e coloca no fato de ele ter raptado a Antíope. É interessante que às vezes você põe que ele raptou, às vezes põe que ela – mesmo que também fosse um rapto – fosse um troféu para ele, já que ele estava ali junto com Hércules e estava ganhando a luta, então não deixa de ser um rapto, mas acaba sendo tipo “Aqui é o troféu”. Isso é bem parecido com alguns eventos na Guerra de Troia, mulheres como troféus para guerreiros. E isso leva àquela guerra que a gente falou anteriormente, das amazonas contra a Ática. Então você vê: em dois momentos, a gente as viu, em momentos até que ligados, como oponentes, seja na narrativa do Hércules quanto na do Teseu, que aí vem a guerra contra a Ática. Mas tem um outro herói que também as enfrentou, que foi o Belerofonte. O Belerofonte, depois de derrotar a Quimera, recebeu do rei outras missões e uma delas foi combater as amazonas, e ele foi lá e as massacrou. E normalmente, quando você encontra falando isso aí, mostra que massacrou mesmo, não é só enfrentou e ganhou, não, é massacrou, mas não se aprofunda muito nos detalhes. Mas aí a gente vê que tanto essa parte dele contra as amazonas quanto a própria questão de ele estar fazendo missões é igualzinha aos 12 trabalhos – são, sei lá, os três trabalhos do Belerofonte, que eu acho que são três missões que ele faz: vai lá, enfrenta o monstro; vai lá, enfrenta não sei o que; vai lá, enfrenta as amazonas, a mando de um rei que queria ferrá-lo.

Nilda: É o padrão do herói.

Leonardo: Então não é nada específico, original, segue nessa ideia. Então é um herói querendo mostrar o valor dele, mesmo que seja a mando de um rei que quer ferrá-lo, e vai lá e enfrenta as amazonas. Ou seja, em outras narrativas, em outras missões, eles enfrentaram monstros. Óbvio, você põe monstro ali, é uma criatura destruindo tudo, cuspindo fogo ali, é um vilão, é algo ruim, é algo destrutivo, algo que não deveria existir; e, na missão seguinte, você coloca as amazonas, um povo guerreiro. Então você vê: você está, na visão do herói, equiparando as amazonas com esses monstros, porque, como eu falei, elas são oponentes. As amazonas só são vistas dessa forma, como oponentes. O mito delas, a imagem das amazonas se prende a isso, por isso que não dá para a gente querer se aprofundar tanto. Você pode se aprofundar na questão de como é essa visão delas, coisa assim, mas você não vai encontrar narrativas diversas ali das personagens em si, elas se prendem a isso. É mais uma forma de você ver como os gregos tinham certos ideais do que era correto, do que deveria ser e não deveria.

Nilda: Eu sempre acho interessante como um povo de uma região tão pequena quanto a Grécia, que não foi um reino tão grande, conseguiu influenciar tanto a humanidade até hoje criando conceitos como esses.

[Trilha sonora]

Leonardo: Bom, mas essas aqui foram as amazonas, a gente falou como elas são, as características de alguns personagens. Mas, como eu falei, é um conceito que você encontra em outras culturas, essa ideia de grupos femininos de guerreiras. E um que a gente tem aí é aqui mesmo, na nossa região, que é da Icamiabas, ditas como as amazonas brasileiras – o pessoal chama assim -, as amazonas indígenas. Tem todas essas coisas assim, mas é porque faz referência às personagens amazonas gregas.

Nilda: A gente falou um pouco sobre elas no Papo Lendário 175, sobre o livro do Reinaldo José Lopes, que ele coloca esses relatos que se teve, que depois foram confirmados com escavações arqueológicas, coletando relatos entre os povos, que aparentemente… não vou dizer tribos de guerreiras exclusivas, mas em que as mulheres tinham um poder de decisão, um poder bem maior do que uma mulher europeia teria na mesma época. Então isso dá origem a esses relatos aí, mistura a cultura de um com o outro e passamos a ter guerreiras indígenas, amazonas indígenas dando nome a rios e regiões por aí.

Leonardo: Outro que a gente tem são as onna-bugeishas – a gente estava aqui na nossa região aí do Brasil, a gente vai para o outro lado do mundo, lá no Oriente, no extremo Oriente, a gente tem esse grupo de mulheres.

Nilda: É interessante, porque hoje em dia esse conceito… a gente pode não conhecer o nome totalmente, mas esse conceito da mulher oriental treinada para lutar e proteger o chefe do clã ou a rainha, ser a mulher lutadora, já é bem comum em filmes. A gente pega muitos na cultura pop. Então ela luta com leque, luta com pequenas adagas, ou então enfeites de cabelo ou hashi, que são utilizados como armas, e normalmente são lutadoras exímias. Agora, nesse caso da onna-bugeisha, elas deram origem a um tipo de luta que continua até hoje, que é a luta da naginata, que é uma lança longa, normalmente de uma madeira um pouco leve, que na ponta teria uma lâmina, normalmente meio em formato de meia lua, meio arqueada, que ajudaria a mulher a lutar de longe. Então, você lutando com essa lança, que não é uma lança pesada, a mulher consegue se defender. Então normalmente elas ficavam em linhas de defesa de vilas, de templos. Elas não iam para a frente da batalha, mas elas eram uma linha de defesa muito importante, e, com o tempo, isso acabou virando uma arte marcial, e, hoje em dia, você tem apresentações de naginata, normalmente só com mulheres lutando, e aí essa lança, a parte de metal, que seria a ponta metálica, é substituída por uma ponta meio que de bambu para isso. Eu sei isso porque eu tentei treinar por seis meses. Como o dojo de treinamento era bem afastado, em uns horários que atrapalhavam, eu tive que parar as lutas. Mas é muito interessante, porque eu tinha uma naginata que ficava no dojo, mas em casa eu treinava com cabo de vassoura algumas posições. Não era do mesmo comprimento, mas eu conseguia treinar, e eu vi que eu conseguia me defender com um cabo de vassoura sem precisar chegar perto das pessoas. Então eu percebi o quanto essa forma de luta era importante para a defesa feminina, e muito eficiente, porque, se você atinge a cabeça da pessoa com aquilo, mesmo sem ter a lâmina, a pessoa pelo menos desmaia, se você atingir os pontos que são te ensinados. Você faz a pessoa desmaiar tranquilamente.

Juliano Yamada: Muita gente pensa que é a cabeça e não sei o que mais; não, tem um ponto aqui um pouco acima do abdômen, entre o fim das costelas, para cima da barriga, mais ou menos… é um ponto que, se você acerta – você não precisa enfiar uma lâmina ali – com a ponta do cabo de vassoura ali, você faz a pessoa desmaiar. A pessoa desmaia de dor ou fica completamente imobilizada por 15, 20 segundos. Ah, é pouco tempo? É, mas, para você escapar de uma agressão, escapar de alguém que queira te atacar, 15, 20 segundos é tempo suficiente.

Nilda: E se é, por exemplo, invasão a uma vila, invasão a um castelo, essa linha de frente fazer a pessoa, fazer os guerreiros, sei lá, desmaiarem por alguns minutos pode ser a diferença entre chegar ou não socorro. Então elas eram uma linha de defesa – não vou dizer a última, mas eram uma linha de defesa que se tinha. Você deixava as mulheres, mas deixava mulheres treinadas para fazer essa defesa mínima até você conseguir um reforço.

Juliano Yamada: Sem falar que, quando um agrupamento invadia uma vila e percebia que a maioria era mulheres, eles acabavam subestimando a vila, eles não iriam esperar que mulheres até mesmo idosas iriam saber lutar, e eu já vi senhoras chineses, japonesas, bem habilidosas em artes marciais e com um fôlego que deixaria qualquer adolescente por aí de queixo caído.

Nilda: É, sendo treinada, você aguenta muita coisa, vira a mestra anciã.

Juliano Yamada: É, a genkai.

Leonardo: Bom, a gente passou pela América, foi para a Ásia e agora vamos para a África, que a gente tem as guerreiras de Daomé, ou também chamadas de amazonas de Daomé. Então você vê outra definição aí de amazona. O mais legal, que me chama mais atenção delas, é que elas foram a inspiração para as Dora Milaje, do Pantera Negra, do personagem de quadrinhos Pantera Negra. Aquelas guerreiras que faziam a guarda dele foram inspiradas nessas guerreiras de Daomé. E essas são até que mais recentes.

Juliano Yamada: Até as roupas são meio que parecidas, o estilo de vestimenta.

Leonardo: No caso, é coisa de 1800 que estava tendo. A última, se não me engano, morreu em 1979, então é coisa mais recente mesmo. É isso que é interessante. Fora as amazonas, que têm um quê mítico, essas outras todas são exemplos históricos. Mas esse das guerreiras de Daomé, algo mais recente.

Nilda: Elas eram o corpo de guarda do rei. Digamos assim, seria a guarda real mesmo, aquela guarda mais importante da vida do rei, de ir para a luta, que normalmente tem uma influência política também bem grande. Quase todos os países que têm guardas reais, as guardas reais têm – tanto homem quanto mulher – uma importância política muito grande, e elas tinham alguma importância nesse sentido também.

Juliano Yamada: Tanto que a tradução de Ahosi, que era o nome delas, poderia ser, ao pé da letra, como esposas do rei, se fosse traduzido, mas, na língua deles, quase que serviria como guardiãs do rei. Seria a linha de frente do rei. Se você tentasse qualquer coisa em cima do rei, você tinha que passar por elas. Eram soldadas, eram guerreiras muito bem treinadas.

Nilda: E eu acho que o último rei de Daomé, quando foi deposto, foi deposto com elas. E o Leonardo falou: “Não, elas são do século 19, começo do século 20”. Só lembrando: o continente africano só foi conquistado pelos europeus a partir da metade do século 19, a partir de 1850 em diante. Antes disso, não se havia conquistado; havia pontos no litoral que se tinha grande influência europeia ou pontos que você tinha cidade europeias. O interior do continente africano era totalmente africano até essa época. A grande destruição que aconteceu no continente africano foi mais no século 20 do que em qualquer outra época, ao contrário, por exemplo, daqui do continente americano. Porque não dava para vencer os africanos com doença, como aconteceu no continente americano. Isso também na Ásia. Na Ásia também vários que foram chamados colônia também são coisas do século 19; antes disso eles eram no máximo reinos coligados, reinos parceiros, tinha que fazer acordo e qualquer coisa os países da Europa perdiam o domínio que tinham lá. A gente tem essa ideia do continente europeu dominando o mundo todo, mas não era assim até bem pouco tempo atrás.

Leonardo: Mas foi legal mostrar a questão das datas aí para o ouvinte para ver que a gente fala que é algo histórico, mas, quando você fala histórico, parece que é algo longe; não, é algo que está vindo durante toda a história, porque a gente tem coisas… e quando você pega algo mais próximo, acaba se tornando algo mais até político. Você vai estudar isso não só na história, mas você vai estudar em questões políticas, que, por exemplo, a gente tem das mulheres guerreiras curdas. Isso é algo de agora, recente. Não vamos nos aprofundar tanto nesses aí, mas vou deixar um link aí que tem um vídeo que explica.

[Trilha sonora]

[Bloco de recados]

Leonardo: E, ouvinte, a gente chega aí ao nosso último exemplo, porque a gente começou falando das amazonas – o foco aí do episódio -, que são míticas, mas possuem um quê histórico, tem algumas coisinhas ali que você encontrou, alguns resquícios e tudo mais, mas vai muito para o lado mítico, então vai muito da visão que o grego tinha disso, tem todo aquele lado fantástico, vamos dizer assim, enquanto os outros – a gente viu muitos exemplos ali -, puramente históricos. E aí agora a gente volta para um lado mítico, que aí muito estudioso de cultura e mitologia nórdica faz uma relação com as amazonas – as amazonas são o centro desse aspecto de mulher guerreiras -, que aí, no caso, são as valquírias. E é interesse que, com esses estudos, a gente tem mudado um pouco a visão que se tem das valquírias por ver como elas eram vistas muito antigamente, de onde teriam vindo, uma possível origem do mito em si; como elas foram se transformando com o tempo. A gente tem um episódio aí sobre valquírias, então, se vocês quiserem ouvir mais aí, mas esse já é um episódio antigo, então algumas coisas que a gente vai falar aqui nem tem lá, é meio que uma atualização, porque na época eu nem tinha lido os artigos que compõem isso aqui. Mas, só para explicar aí para o ouvinte, as valquírias, quem elas são? Elas são filhas de Odin, guerreiras, só que, no caso, elas não são mortais, não são pessoas comuns, elas são realmente entidades. É dito que o nome delas significa aquela que escolhe os mortos, porque elas tinham essa função: elas têm um quê de psicopompo, porque elas iam junto a Odin ou a mando de Odin para as batalhas para carregar os mortos. Quem era escolhido por Odin para morrer ali na batalha, elas pegavam e levavam para o Valhalla. Nisso, a gente tem uma imagem de uma mulher que é capaz de mudar o rumo de uma batalha. Essa imagem da mulher mudando o rumo da batalha encontra-se em outras culturas europeias, como por exemplo a Morrígan, que é uma deusa celta, mais especificamente irlandesa, que é relacionada à guerra, à morte, então ela conduzia, ela ia alterando a batalha em si. Então as valquírias teriam um quê dessa deusa. E é uma deusa bem forte para os irlandeses. E aí a gente tem as valquírias – por alto, elas são assim, são guerreiras, mas elas têm quatro aspectos, e aí a gente vê como elas foram mudando com o tempo, mas elas têm isso aí, que elas são serviçais, atendentes, digamos assim, porque, quando elas levavam o corpo para o Valhalla, lá no Valhalla, elas não estavam mais como guerreiras em si, elas estavam como serventes dos guerreiros de lá: iam lá, entregavam o que eles precisavam. Lá só ficavam bebendo, então quem entregava as bebidas eram elas. Isso de acordo com inúmeras narrativas que a gente tem dos nórdicos. Em outras a gente vai vê-las como amantes e esposas dos guerreiros, e é interessante quando entra nesse quesito de amante e esposa. Você vê que, quando ela vira esposa, ela meio que para de ser uma valquíria em si, ela se torna algo limitado a um mortal. Então ela perde o lado guerreiro e fica como uma esposa só. Elas têm as guerreiras, as versões de guerreiras, que é o mais conhecido, o mais popular. E como profetizas também. Então essas são as quatro visões, os quatro tipos de valquírias que os estudiosos dividem, conforme é encontrado nas narrativas. E aí, como disse, esses mesmos estudos acabam comparando as valquírias com as amazonas, não só por serem guerreiras, mas todo esse aspecto da imagem que o feminino tem ali perante a cultura.

Nilda: As valquírias são seres míticos, e são seres míticos que podem ser muitas coisas. Esses vários aspectos, todos ligados ao feminino – você também pode ligá-los ao masculino, tirando só acho que de esposas, não sei. É um ser feminino mítico, mas complexo, não é apenas a guerreira, ou apenas a mãe, ou apenas a filha. Elas podem ser essas quatro coisas aqui tranquilamente. Tem quatro aspectos diferentes em um mesmo ser mítico. Isso é ser bem complexo, é interessante ter esse tipo de visão.

Leonardo: Foi legal você ter falado de elas serem complexos, que é bom deixar claro para o ouvinte que as amazonas, por mais legal que seja a imagem dela ali ou os personagens em si, por mais que você goste, a gente viu que não dá para querer se aprofundar tanto, querer tornar algo tão complexo em si – o que a gente tem delas não é tão complexo; as valquírias já não. Tudo isso que a gente vai estar falando aqui não encare como algo absoluta, porque vêm dos estudos que se tem visto delas, as comparações entre uma época e outra dos mitos nórdicos. Torna-se complexo mesmo. Isso é interessante, isso fica fascinante. Mas aí a comparação que dá para fazer com as amazonas é disso, serem guerreiras, e passa a ideia assim: tanto grego quanto nórdico, eles eram patriarcais. Independentemente de terem valores, mesmo que tenham valores diferentes perante os homens e mulheres de cada cultura, ambos eram patriarcais. E aí você pode até pensar – grego é mais fácil você encontrar esse conceito patriarcal, mas aí nórdico tem muito aquela questão da mulher também ser guerreira e tudo mais, então muita gente imagina: “Ah, não é tão patriarcal assim”. Mais ou menos, não dá para levar isso muito a fundo, porque a própria ideia, aquele negócio de a mulher nórdica guerreira tem certos poréns. Você não pode considerar isso 100%. É muito visto que a mulher sabia lutar muito mais até para proteger a casa, que eu acho mais do que digno – sinceramente, acho até mais digno do que um guerreiro que vai à terra dos outros matar, mas, enfim.

Nilda: O fato de você ter mulheres guerreiras não necessariamente elimina o caráter patriarcal de uma sociedade. Você pode ter designações de papéis diferentes do que você tem em outra cultura; o que em uma cultura é aceito um homem fazer modifica para outra, e isso não transforma uma sociedade automaticamente em matriarcal nem automaticamente em patriarcal. Aí já é o papel que você pode, é autorizado a ter. Em uma sociedade muito guerreira, muito sujeita a ataques, como a nórdica, a mulher ser guerreira praticamente… digamos assim, é considerado normal. Eu não vou dizer… não é obrigação, mas é necessário você ter várias guerreiras, e isso não necessariamente diz que a sociedade seja matriarcal ou não seja patriarcal, porque aí, para ser patriarcal, você tem que ver a questão de herança, a questão de reinados, outras coisas que ajudam a definir isso.

Juliano Yamada: Tanto que esses povos antigos… é até interessante você fazer uma reflexão que o homem tinha uma função só, ele escolhia a função dele na vida e ficava até o fim da vida: ah, ele vai ser guerreiro? Ele vai ser um guerreiro. A chance de ele ser um general… há uma chance de ele virar um general em uma alguma batalha, mas ele fica na arte da guerra. Ah, ele quer ser um escrivão? Ele vai ser um escrivão. Ele quer ser um ferreiro? Ele vai ser ferreiro a vida inteira. A mulher não, a mulher ia acumulando funções. Se ela quisesse ser guerreira, ela ia ser guerreira, ia ser dona de casa, ela teria filhos, ela ia ser esposa. Ah, ela quer ser escrivã? Ela ia ser escrivã, esposa… então ela tinha várias funções. Então isso é algo que ainda passa até hoje para a nossa sociedade: a mulher tem muito mais funções atribuídas. E, a cada vez que você atribui uma função, você percebe: o homem é muito mais independente que a mulher, porque o homem tem essa liberdade; a mulher, não. Cada vez mais dão uma corrente para ela e uma falsa liberdade.

Leonardo: É, foi interessante até você falar dessa questão de falsa liberdade, porque o que a gente vai ver referente ao aspecto patriarcal ali dos nórdicos – entre inúmeras outras coisas, mas voltado para as valquírias somente – é que, assim, os nórdicos, por darem muito valor ao guerreiro, essa imagem estava muito ligada também à realeza. Não é por nada que tinha trocentos deuses guerreiros, deuses da guerra, e o deus da realeza, da aristocracia dos nórdicos, era um guerreiro, que é o Odin. E aí a gente vê o guerreiro em si liderando seria essa imagem masculina, mas aí você pega as valquírias: elas também eram guerreiras ali e tudo. Então estariam quebrando a ideia ou não? Aí você pega algumas imagens delas, alguns símbolos que elas têm, que aí você percebe onde elas realmente se encontram. Primeiro, elas eram guerreiras, mas elas estavam a mando do Odin. Elas só iam lá e faziam o que o Odin… mesmo naquela imagem guerreira classicona, tirando a questão da esposa, da servente e tudo, quando estava como guerreira, elas trabalhavam para o Odin, e elas só capturavam, só levavam o guerreiro que ele determinava. Tanto que, quando elas quebravam isso aí – quando quebrou, porque tem uma referente a isso -, elas eram punidas. Quando elas escolheram quem iam levar ou não para o Valhalla, aí elas eram punidas, que foi o caso da Brunhilda. Da Brunhilda mostra isso, mostra-a quebrando o papel dela, então ela pode lutar, mas ela não pode necessariamente decidir. Isso é interessante que, inicialmente, quando a gente começou das valquírias, a gente falou: “Ah, elas definem o rumo da guerra”, mas elas definem o rumo da guerra a mando de Odin. Agora, quando ela definiu o rumo da guerra perante ela mesma, aí ela está quebrando o papel dela, aí ela é punida. E aí é punida, perde as armas, tudo, aí ela até acaba tendo que se casar, vira uma esposa. E aí é o que eu falei, quando vira esposa, perde o lado mais superior em si e fica como uma mortal. Então a gente tem isso aí. Outra imagem que se coloca ali, e tem muito estudioso mostrando se tem ou não tem isso, que é assim: um símbolo masculino e voltado à guerra é a espada; a lança já não é considerada isso. Isso com estudos da cultura nórdica. A lança já não era necessariamente masculina, e era a arma que você mais encontra das valquírias. Então elas estão ali guerreando, mas elas não estão com a espada. A espada é algo real, é algo da realeza. Então a gente tem muito isso aí: elas servem ao rei, elas servem ao guerreiro mesmo, ao guerreiro maior, que aí no caso é o Odin. E, assim, as amazonas, a gente tem isso de elas serem mulheres que são guerreiras, são selvagens, e, com isso, são oponentes; as valquírias são guerreiras ali, mas elas não se tornam necessariamente oponentes, mas, quando elas já ultrapassam demais a linha fazendo algo que não era previsto que elas fizessem, aí elas são punidas. Então elas estão pegando um papel que não deveria ser delas – não as valquírias em si, mas a Brunhilda. Ela está pegando um papel que não é dela, aí ela é punida. Mas isso, principalmente da Brunhilda quanto delas também serem guerreiras, então já estão mais próximas do masculino ali, do Odin, mostra que elas são seres que transcendem. Aí a gente volta para a complexidade da valquíria: ela é alguém que transcende, ela é um ser feminino que está indo para um lado mais masculino – isso porque aquela cultura em si permite. Ela ser uma entidade que transcende também está ligado com o próprio lado psicompompo delas; elas transcendem não só a imagem do masculino e feminino quanto os mundos em si; elas estavam aqui na Terra como estavam no pós-vida, em Valhalla. Então elas são personagens que caminham entre os reinos, digamos assim, e por isso que você sempre vê praticamente uma valquíria em um cavalo. O cavalo também é um símbolo de psicopompo e também é um símbolo que transcende, porque ele carrega a pessoa. Então todos esses elementos que tem na valquíria vão explicando onde ela se encontra perante a visão nórdica.

Nilda: Quando você conhece as valquírias inicialmente, normalmente através da ópera dos Nibelungos, a história ou quadrinhos que contam isso, você não as imagina como psicopompos em um primeiro momento, como essa figura que está levando os mortos, porque é uma história que… isso é um detalhe do começo da história. E a maior parte das pessoas conhece através disso ou através de um desenho do Pernalonga, mas, quando a gente começa a estudar, você vê que tem esse outro significado. Você até acaba ficando assim, meio que chocado, tipo: “Ela é outra coisa?”. É, ela é outra coisa. Também é outra coisa. É muito mais ligada à morte do que qualquer outra coisa.

Leonardo: Ouvinte, eu vou deixar no post os links de dois principais artigos que se aprofundam nas valquírias, e até um desses vai até além e compara até com as gigantas. Isso é bem interessante. Acabei não pondo aqui, mas as gigantas, por sua vez – as gigantas nórdicas -, já são oponentes, porque gigantes são oponentes. Aí que é a diferença: enquanto as valquírias têm essa questão mais de adoração, de respeito em si, tipo, quem não gosta ali das valquírias? Que guerreiro não gostaria de ser levado pelas valquírias? As gigantas já não. As gigantas já são sempre postas como oponentes das divindades. E aí, das gigantas, já está mais voltado também para elas serem a natureza, e que o embate dos nórdicos e dos (ases) [00:58:28] com os gigantes é muito disso aí, seria o homem, o ser humano dominando a natureza, então ele tendo controle da natureza, porque, principalmente para os nórdicos, a natureza é algo tenso pela região onde eles se encontravam. Então seria sempre um obstáculo, teria que em algum momento dominar ali. As gigantas você já vê mais um quê de amazonas nesse sentido de serem sempre um oponente. E as gigantas, se não me engano – agora não vou ter certeza, precisaria ver no artigo – colocam-nas usando armas que elas não deveriam ter, sabe? Acho que até coloca espada, coisa assim, mas são armas que não deveriam ter, enquanto as valquírias estão do jeito certo, do jeito que deveria ser perante a cultura ali, seria isso. Elas estão com a lança e tudo, estão fazendo o papel delas; as gigantas já não. As gigantas já estão quebrando mais ainda, por isso que elas são oponentes, por isso que são derrotadas. As valquírias, como eu falei, não são como as amazonas por serem oponentes. Tanto que, digamos, são do lado do bem, digamos assim. Mas agora você para e pensa: um ser feminino, mítico, guerreiro, que é bem-visto pelos homens e pelos mortais, pelos homens mortais, cuja narrativa mostra a relação de pai e filha, sendo pai um deus regente. Eu posso estar falando tanto das valquírias, qualquer uma, quanto da Atena, da deusa Atena. E aí a gente compara… eu não vi nenhuma, mas isso eu achei interessante. Eu vi pouquíssimas comparações das valquírias com a deusa Atena, mas, por elas não serem oponentes, elas estão mais no estilo da deusa Atena. Elas não são algo ruim, pelo contrário, são algo bom, são algo desejado, são algo superior ao homem mortal, que vai levá-lo, vai fazê-lo evoluir, vai dar um empurrão ali. A deusa Atena, o empurrão é deixar ir, tem (inint) [01:00:36], alguma coisa assim, para o herói; as valquírias, o empurrão é levar para o Valhalla. A gente tem o episódio que a Brunhilda desobedece ao pai e aí é punida; a Atena, de cabeça agora, não tem nenhum episódio dela desobedecendo a Zeus, mas, pelo contrário, a gente tem um episódio onde ela jura virgindade na frente de Zeus. Então uma quebrou e foi punida; a outra está aceitando o mando do deus-pai, e os dois deuses-pai regentes, são os líderes mesmo. Então tem essa semelhança de ambas as imagens. Bom, e aí a gente faz toda essa comparação mítico-histórica e, assim, em nenhum momento é para dizer que a visão que se tem está errada, porque, na verdade, como eu falei, das valquírias é extremamente complexo; das amazonas tem um viés da cultura ali – das valquírias também teria, mas é mais a questão da complexidade – que, assim, a gente tem que entender como elas são vistas ali naquela cultura. Eu, pessoalmente, não vejo problema de elas serem algo bem-visto agora, no sentido de um personagem forte. Não vejo problema nisso. Isso, mais ou menos, por exemplo, no episódio de Lilith que a gente fez: Lilith é uma personagem que é tratada com um feminino forte e ok. Você pega os deuses, você usa como quiser, como for melhor para você. As divindades estão aí para isso, para serem reutilizadas. Só tem que ter noção, que eu acho que isso é muito importante, como elas eram, como qualquer personagem mítico era representado, era visto dentro daquela cultura para a gente não achar que, como a gente os vê hoje, eram vistos anteriormente. Isso seria um anacronismo. Então, como eu citei Lilith, Lilith originalmente era um ser ruim. Antes mesmo da questão bíblica, entre os mesopotâmicos mesmo era um ser ruim, perigoso. Mas você quer usar agora? Ok, ela não vai achar ruim, os deuses não vão te processar. A deusa Atena também tem o limite ali de como é a imagem dela, ela está sempre ali ajudando um herói, sempre ajudando um protagonista. Ela não é protagonista. As valquírias, quando foram fazer algo por si sós, foram punidas. Então a gente tem que entender dentro ali do contexto, dentro daquela cultura, dos valores da cultura. Isso eu acho bem importante, para a gente não pegar os valores que a gente tem ou que a gente quer agora e transpor para antigamente. A gente tem que entender essa diferença. Mas se agora você quiser utilizar… eu gosto bastante da deusa Atena, eu gosto bastante das valquírias, mas tem que ter noção que em outra época tinha uma outra imagem, uma outra importância.

Nilda: Uma outra função na sociedade, porque os deuses têm funções diferentes em sociedades diferentes e épocas diferentes. Tem gente que às vezes pega e transpõe, sei lá, o chefe de Zeus como se fosse meio que o deus cristão, e não é, gente. Desculpa, não é a mesma coisa, não é. Ele é um deus supremo, mas ele não é a mesma coisa. E não estou falando nem por ser a minha crença, eu achar, coisa assim. É um contexto social diferente, uma atribuição diferente para o deus, para o mito, para a lenda, contextualização alguma. Uma coisa é você trabalhar dentro desse mito; outra coisa é você descaracterizá-lo totalmente e a única coisa que tenha parecida seja o nome e, sei lá, uma aparência que lembra uma imagem antiga.

Leonardo: Exatamente. Foi legal você ter falado de Zeus, porque eu citei aí as valquírias e as amazonas, que são o tema do episódio, mas isso vale com qualquer personagem. Pega os deuses, os heróis… vai pegar herói grego para você ver se aquilo lá poderia mesmo ser considerado herói, o que eles fazem. Então não entra no nosso quesito de herói agora. Eu tenho medo até de quem realmente considera que aquilo é ser herói, mas, enfim, é isso, não pode colocar os valores de hoje. Bom, e é isso, a gente falou aí um pouquinho das amazonas, porque realmente não dá para se aprofundar tanto nelas, e para comparar aí com diversos outros exemplos, indo até para os nórdicos, mas também achei muito interessante por ter esses conceitos históricos, exemplos históricos aí de grupos de guerreiras. Isso eu acho bem interessante.

[Trilha sonora]

[01:06:04]

(FIM)