Na região montanhosa da Frígia existiam outrora duas árvores que todos os camponeses, fossem eles de longe ou dali mesmo, sempre apontavam como uma grande maravilha. E estavam cobertos de razão por assim procederem, pois uma das árvores era um carvalho e a outra uma tília, mas ambas nasciam de um mesmo tronco. A história de como isso pôde acontecer constitui uma prova do incomensurável poder dos deuses, e também do modo como recompensam os humildes e os piedosos.
Às vezes quando Júpiter já estava saciado de ambrosia e néctar lá em sua morada, o Olimpo, e também um pouco cansado da lira de Apolo e da dança das Graças, costumava descer à Terra e, disfarçado de um simples mortal, punha-se então a procurar aventuras. Nessas incursões, seu companheiro favorito era Mercúrio, o mais divertido, mais astuto e mais criativo de todos os deuses.
Desta vez, Júpiter estava decidido a verificar até que ponto chegava a hospitalidade do povo da Frígia. Essa qualidade era-lhe especialmente importante, pois estavam sob a sua proteção todos os hóspedes e todas as pessoas que procuravam abrigo em terra estranha.
Para procederem a essa verificação, os dois deuses assumiram a forma de dois viajantes e perambularam por toda a região, batendo à porta tanto das cabanas humildes quanto das casas ricas que iam surgindo por onde passavam. Pediam alimento e um lugar para descansar, mas não eram recebidos por ninguém: insolentemente, todos lhes batiam as portas na cara. Fizeram a mesma experiência em centenas de casas, e foram tratados do mesmo modo por todos os proprietários.
Por fim, chegaram a uma cabana das mais humildes. Era coberta de palha, e mais pobre do que todas as casas pelas quais até então haviam passado. Ao baterem, porém, a porta foi aberta de par em par e uma voz muito agradável convidou-os a entrar. De tão baixa que era a entrada, tiveram de curvar-se para passar por ela mas, uma vez lá dentro, perceberam que tudo estava muito bem arrumado e limpo. Um casal de velhinhos, ambos com uma expressão muito amigável, deu-lhes as boas-vindas do modo mais acolhedor possível, não poupando esforços para que se sentissem confortavelmente instalados.
O dono da casa colocou um banco perto da lareira e pediu-lhes que ali se deitassem para descansar seus corpos exaustos; sua mulher estendeu uma manta sobre o banco, contando-lhes que seu nome era Báucis, e que o marido chamava-se Filêmon. Viviam naquela cabana desde o seu casamento, e tinham sido sempre muito felizes.
“Somos pobres,” disse, “mas a pobreza não é uma coisa assim tão má quando não se tem grandes ambições, e uma boa disposição de espírito também ajuda muito.” Enquanto ia falando, continuava a preparar coisas para eles. Abanou os tições da lareira escura até que um fogo muito agradável começou a arder, e pendurou sobre as chamas uma panela cheia de água. Assim que esta começava a ferver, o marido voltou da horta com um belo repolho que foi, por sua vez, colocado dentro da panela juntamente com um pedaço de carne de porco que pendia de uma das vigas do teto.
Enquanto a refeição ia sendo preparada, Báucis pôs a mesa com suas mãos velhas e trêmulas. Uma das pernas da mesa era mais curta que as outras, mas ela calçou-a com um pedaço de um prato quebrado. Sobre a mesa, colocou azeitonas, rabanetes e vários ovos que tinha assado sobre as cinzas quentes. A esta altura, o repolho e o toucinho já estavam prontos, e o velho empurrou para perto da mesa dois banquinhos de pernas bambas, convidando seus hóspedes a tomarem assento e comerem.
Em seguida, trouxe-lhes taças de madeira de faia e um recipiente de barro cheio de um vinho que parecia vinagre diluído em muita água. Filêmon, porém, estava muito orgulhoso e feliz por poder acrescentar aquela iguaria à ceia, e muito atento, voltava a encher as taças assim que estivessem vazias. Os dois velhinhos estavam tão encantados e animados com o sucesso de sua hospitalidade que demoraram muito a se dar conta de uma coisa muito estranha que estava acontecendo – a jarra de vinho nunca se esvaziava.
A despeito do grande número de taças que já haviam sido bebidas, o nível do vinho não se alterava, e a bebida continuava chegando até a borda. Quando perceberam essa maravilha, entreolharam-se apavorados e começaram a orar em silêncio e de olhos baixos. Depois, trêmulos e com voz embargada, rogaram aos hóspedes que perdoassem a pobreza da ceia oferecida. “Temos um ganso”, disse Filêmon, “que deveríamos ter oferecido a Vossas Senhorias, mas tenham a bondade de esperar, pois vamos prepará-lo rapidamente e servi-lo em seguida.” Mas não havia jeito de conseguirem agarrar o ganso. Depois de muitas tentativas em vão, ficaram exaustos, enquanto Júpiter e Mercúrio se divertiam muito com a cena.
Quando, porém, Filêmon e Báucis já não tinham mais condições de continuar com sua caçada, os deuses sentiram que era o momento de entrar em ação, o que fizeram de forma realmente generosa. “Hospedastes hoje dois deuses em vossa casa”, disseram, “e, portanto, tereis a recompensa merecida. Puniremos duramente este país cruel que despreza o pobre estrangeiro, mas é nosso desejo poupar-vos.” Em seguida, levaram os dois velhinhos para fora da cabana e pediram-lhes que olhassem em redor.
Para seu grande espanto, a única coisa que viam era água. O campo todo havia desaparecido, e um grande lago cercava o local onde se encontravam. Os vizinhos nunca tinham sido bondosos com os dois, mas, mesmo assim, Báucis e Filêmon choraram por eles. De repente, porém, uma grande maravilha fez com que suas lágrimas secassem: diante de seus olhos, a minúscula e humilde cabana que por tanto tinha sido o seu lar transformara-se em um templo majestoso, com colunas do mais branco mármore e um reluzente teto de ouro.
“Meus bons amigos,” disse Júpiter, “pedi o que quiserdes, e vosso desejo será imediatamente satisfeito.” Os dois velhinhos sussurraram algumas palavras entre si, e em seguida Filêmon começou a falar. “Permiti que nós tornemos vossos sacerdotes, e que passemos a tomar conta deste vosso templo – e, já vivemos tanto tempo juntos, não deixeis que nenhum de nós sobreviva ao outro, concedendo-nos a graça de morrermos juntos.”
Os deuses concordaram, muito satisfeitos com o que ouviram. Por muito tempo, Filêmon e Báucis serviram naquele grandioso edifício, mas a história não nos revela se alguma vez chegaram a sentir saudades da antiga casinha aconchegante e do crepitar alegre e cordial de sua lareira.
Um dia, porém, em que mais uma vez ali estavam diante daquela edificação magnífica em mármore e ouro, puseram-se a falar sobre a vida passada, que tinha sido tão dura e, ao mesmo tempo, tão feliz. A esta altura da vida, já estavam muito idosos. De repente, enquanto trocavam recordações, perceberam que muitas folhas começaram a brotar de ambos. Depois, viram que sua pele ia sendo transformada em casca de árvore, e só tiveram tempo de dizer um ao outro: “Adeus, meu grande amor.” Assim que seus lábios pronunciaram essas derradeiras palavras, transformaram-se em árvores, mas mesmo assim continuaram juntos, pois a tília e o carvalho nasciam de um mesmo tronco.
De todas as partes do mundo acorriam pessoas para admirar-se com aquela maravilha, e, em honra do casal tão piedoso e fiel, dos ramos das duas árvores pendiam sempre as mais belas grinaldas de flores.