Este é um pequeno livro dividido em duas partes: o ensaio “Sobre Histórias de Fadas” e o conto “Folha por Niggle.” Os dois estão relacionados, pelo autor, pelos símbolos da Árvore e da Folha (Tree and Leaf é o nome original deste livro).
Vou me restringir ao ensaio e deixar conto Folha por Niggle por conta dos leitores, que é uma história maravilhosa, uma fábula de como pode se dar um processo criativo, uma crítica social ou apenas uma bela história de entretenimento. E, por isso mesmo, difícil de ser resenhada de forma mais objetiva.
Sobre Histórias de Fadas
Sobre Histórias de Fadas é leitura indispensável para quem quer entender sobre o fascinante mundo da fantasia e do reino das fadas. Um dos poucos trabalhos acadêmicos de J.R.R. Tolkien traduzido e publicado no Brasil.
Parte do que é dito pressupõe o conhecimento de contos e histórias que não são muito conhecidas pelos brasileiros (como a lenda sobre a mãe de Carlos Magno), mas nada que atrapalhe o entendimento do livro e da tese do autor.
É o livro de um filólogo e, por isso, Tolkien começa por fazer uma análise filológica da definição de Fada, Faerie e outros termos, como seria esperado de um autor que afirmou que “primeiro vem a palavra, depois a história”.
A Faerie ou Belo Reino é um mundo onde o fantástico tem vez e não é, em si, um local bom ou mal, mas o local onde o que é fantástico para os humanos pode existir. Não é um reino de fadinhas pequenas que residem em flores, e sim de seres que habitam outro reino, outra realidade, muito próxima à nossa e tão assustadora quanto.
A irritação do autor com a “diminuição” do tamanho das fadas, de seres fantásticos e únicos para pequenos seres com asas de borboleta é apenas o começo de toda uma teoria acerca da “sopa cultural” que deu origem às histórias de fadas como as conhecemos hoje. E é claro, ele põe um pouco da culpa por esta “diminuição de estatura” em Shakespeare (a irritação de Tolkien com Shakespeare chega a ser folclórica).
Ele começa traçando um breve histórico de como os contos de fadas adquiriram esta visão contemporânea, que as relegou ao quarto das crianças e contemplando visões do que começou a ser considerado “adequado” para crianças e acabou incluindo histórias que sequer foram escritas com o intuito de serem lidas por crianças (Aventuras em Lilliput é o exemplo mais berrante desta distorção).
Tolkien define que o encantamento que os seres da faerie exercem sobre nós é reflexo do que queremos, daquilo que os encanta no mundo real. Estes seres apenas utilizam nossos desejos e ceder ou não a eles, saber distinguir os verdadeiros desejos dos falsos é algo que cabe ao humano.
“O Belo Reino é um lugar que existe fora do nosso mundo do qual temos vislumbres e no qual alguns humanos podem entrar em locais específicos. Dificilmente os seres de lá se interessam por nosso mundo e a maioria das histórias de ‘contos de fada’ são sobre aventuras de humanos neste reino, e não histórias sobre os seres de lá.”
Tolkien também nos apresenta o conceito de subcriação, bem como uma interpretação de como as histórias de fadas de vários povos se misturam num grande “caldeirão de histórias”, que permitiu a inclusão de personagens históricos, como Carlos Magno, em histórias que seriam tipicamente do mundo da Faery. E como seres do Belo Reino às vezes são incluídos em histórias que não teriam, originalmente, características que as classificariam como Histórias de Fadas e sim apenas como Fantásticas.
Por fim, este ensaio é de fácil leitura e indispensável não apenas para quem se interessa pela obra literária de J.R.R. Tolkien, e para todos que se interessam pelos conceitos de contos de fadas, fantasia, criação e subcriação. É uma obra que tornou-se referência para diversos outros autores que se dispuseram a discorrer sobre Contos de Fadas, nos mais variados campos do conhecimento, como o psicólogo Bruno Betttelhein e o escritor Neil Gaiman.
Tolkien, J.R.R: Sobre Histórias de Fadas – Conrad Editora do Brasil Ltda
Apesar de gostar de SdA e Hobbit eu praticamente nao conheço outras obras de Tolkien fora do universo da Terra-Média. Valeu pena dica, vou correr atras desse livro. O conceito de fadas por estar proximo da mitologia celta sempre me chamou a atençao.
Muito bom este post! 🙂 Uma grata surpresa…
Li este livro há uns dois anos, a fim de ter mais bagagem na hora de escrever contos, principalmente os que tem um gênero mais fantástico. Posso dizer que a leitura me agradou muito e somou nas minhas experiências!
Uma coisa que me chamou muito atenção é que J.R.R. Tolkien afirma ser um grande erro querer unir o mundo fantástico com o nosso mundo. Por exemplo, não acha adequado usar aqueles finais como: E tudo aquilo foi apenas um sonho…
Ele julga ser melhor tratar o mundo fantástico como algo a parte, uma realidade para aqueles seres. E dá pra ver que é bem isto que ele faz n’O Senhor dos Anéis, cria todo um universo.
Grande abraço e prosperidade.
Bom, isso provavelmente é ser bem cara de pau, mas… Se algum dia quiserem fazer um cast voltado para J. R. R. Tolkien, me disponho a auxiliar e a participar! xD
Olás!
Para quem quiser ler o livro e não estiver encontrando, já que nem todas as publicações da Ed. Conrad anteriores ao seu problema financeiro foram re-impressas, há uma tradução acadêmica que disponível para download que é da mesma época da publicação deste livro, com o título de “A Árvore das Idéias”.
Não a li inteiramente, e preferi não usá-la justamente por ser uma tese acadêmica e ter várias análises e interpretações já no seu texto ou no rodapé. É uma ótima tradução e um trabalho acadêmico competentíssimo do Reinaldo J. Lopes e seu download bem como uso é livre, desde que devidamente citados e creditados.
Seguem os links:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8147/tde-10082007-154453/pt-br.php
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=29044
PS: eu sei que tem melhores maneiras de postar os links, mas hoje é 26/12 e a preguiça pós-natal se aliou ao calor intenso…
Hey pessoal, sei que nao tem a ver com o post, mas será que tem como arrumar a imagem do feed do podcast? Digo, colocar a artwork do Mitografias na capa padrão do podcast. Atualmente mostra uma imagem genérica do WordPress haha 😛
Valeu pelo aviso Rodrigo, mas gostaria de entender onde é que aparece a imagem do WordPress? Fiquei meio confuso, pois a vitrine é sempre personalizada, até no itunes!
É meu primeiro comentário no Mitografias, por isso aproveito para parabenizar vocês pelo site. Ainda estou pesquisando, mas já posso dizer que é muito bem planejado e gostei bastante da proposta de abordagem do conteúdo!
Já “Tree and Leaf”, na versão inglesa que estou lendo atualmente, é um livro encantador. Gostaria de ter a edição brasileira (que capa linda, btw) pra comparar, mas infelizmente não encontrei uma versão acessível no momento :/
Ah, e Nilda, obrigada pela excelente dica da dissertação!
Olá Ana Paula.
Realmente é meio difícil encontrar esta edição. Provavelmente em sebos seja mais fácil do que em livrarias, já que a Ed. Conrad ainda está se re-afirmando após a quase falência.
Aliás, depois deste post é que percebi que boa parte dos livros que indiquei não são encontrados tão facilmente hoje em dia e por isso decidi refazer minha lista de livros a serem indicados para que livros mais recentes, ou que são constantemente re-editados, também apareçam por aqui.
E a dissertação do Reynaldo J. Lopes é muito boa mesmo. Vale como um aprofundamento no estudo deste livro, ou como curiosidade mesmo.