A Mitologia dos Orixás – Reginaldo Prandi
“Um dia, em terras africanas dos povos iorubás, um mensageiro chamado Exu andava de aldeia em aldeia à procura da solução para terríveis problemas que na ocasião afligiam a todos, tanto os homens como os orixás. Conta o mito que Exu foi aconselhado a ouvir do povo todas as histórias que falassem dos dramas vividos pelos seres humanos, pelas próprias divindades, assim como por animais e outros seres que dividem a Terra com o homem. (…) Assim ele fez, reunindo 301 histórias, o que significa, de acordo com o sistema de enumeração dos antigos Iorubás, que Exu juntou um número incontável de histórias.
Realizada essa pacientíssima missão, o orixá mensageiro tinha diante de si todo o conhecimento necessário para o desvendamento dos mistérios sobre a origem e o governo do mundo dos homens e da natureza.”
Como a escrita não fazia parte da cultura iorubá, estas histórias foram passadas oralmente entre os iniciados na tradição oracular. Decorar paciente e meticulosamente este odus era a forma de preservar a tradição e iniciar um babalaô na sua arte divinatória. Odu é como é chamada cada história presente no mito.
A Mitologia dos Orixás é uma obra que procura reunir, em um único volume, os mais significativos mitos presentes nas religiões que cultuam os orixás.
Reunindo o resultado de anos de pesquisas feitas no Brasil, Cuba, Estados Unidos e África, o professor Reginaldo Prandi, um dos maiores especialistas do país, nos oferece uma obra que procura apresentar, em um único volume, os elementos mais fascinantes desta religião viva e tão presente nos nossos dias e que tem uma simbologia que parece estranha a quem só conhece os mitos de origem européia.
O livro conta com uma introdução que explica, de maneira concisa, o contexto histórico e cultural da religião dos orixás, suas principais vertentes, o modo como foi estudada no séc. XX, a origem dos odus utilizados nesta seleção, bem como explica o porquê histórias que, apesar de importantes, foram excluídas deste livro.
Reginaldo Prandi optou por padronizar a redação dos mitos na forma dos poemas dos babalaôs africanos, com uso de versos que, na minha opinião, deu ao seu conteúdo uma forma que remete à sua oralidade original.
Um número infinito de histórias
As histórias estão divididas entre 32 orixás, que nomeiam os capítulos, num total de 301 odus, remetendo assim ao número de histórias recolhidas por Exu.
O primeiro capítulo, como não poderia deixar de ser, contém odus referentes a Exu, e os demais seguem contando as histórias de Ogum, Oxossi, Nanã, Obaluaê. Oxumarê, Erinlé, Logun Edé, Otim, Ossaim, Iroco, Orixá Oco, Oro, Oquê, Euá, Xangô, Iansã, Oba, Oxum, Ia Mi Oxorongá, Ibejis, Iemanjá, Olocum, Onilé, Ajê Xalugá, Oduda, Oranã, Orunmilá, Ajalá, Oru, Oxaguiã, Oxalá.
Alguns destes orixás não são mais cultuados no Brasil ou em Cuba, ou perderam sua importância na África, mas ainda sim entraram no livro, para que o cenário apresentado fosse o mais representativo possível.
Estes conjunto de odus nos informam que, entre outras coisas, todo albino é filho de Oxalá, que Xangô não come carne de porco em respeito aos muçulmanos malês e porquê Nanã proíbe o uso de metal no seu culto.
Através de histórias como estas descobrimos uma mitologia em que os deuses e heróis também são movidos por paixões, raiva, coragem, inveja e compaixão. Uma mitologia em que cada objeto ritual, cada dança, colar, vestimenta, cores e padrões estão impregnados de símbolos que permitem identificar a que orixá um filho de santo descende, e como isso irá reger seu comportamento e atitudes.
Há, no final do livro, um glossário de termos que é muito útil aos não iniciados na religião, um índice onomástico que ajuda na hora de se procurar as referências e, o mais importante, uma vasta bibliografia que julgo ser extremamente útil para quem quiser conhecer mais dos mitos e religiões dos orixás.
Num cenário em que é difícil separar as obras destinadas a praticantes das que se propõe a apresentar os orixás a leigos, A Mitologia dos Orixás aparece como uma obra indispensável para estudiosos de mitologia em geral e, especialmente, dos mitos que compõe a cultura altamente sincrética do Brasil.
Prandi, Reginaldo: A MITOLOGIA DOS ORIXÁS – São Paulo, Companhia das Letras, 2001