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Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo Mitocôndria, Nilda Alcarinquë, Juliano Yamada e Pablo de Assis continuam a conversa sobre a imortalidade.
Enquanto no episódio anterior focamos na longevidade, dessa vez conversamos sobre a imortalidade da alma, a ressurreição e o legado social.
Entenda quais dessas formas de imortalidade é a mais plausível, e qual realmente é uma imortalidade.
Veja a relação de imortalidade da alma com reencarnação.
E reflita se vale a pena ser imortal ou não.
– Esse episódio possui transcrição, veja mais abaixo.
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— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro) —
[00:00:00]
[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, o podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.
[Trilha sonora]
Leonardo: Muito bem, ouvintes. No episódio anterior, apresentamos a ideia de imortalidade. Falamos que dá para ver quatro tipos e mostramos um deles, o de longevidade, foi o que a gente mais se aprofundou, que está relacionado ao fato de o corpo físico da pessoa viver por muito tempo. Mas ainda tem mais três tipos: o da imortalidade da alma, que muitas vezes pode ter relação com reencarnação, o da ressurreição e o do legado social, que são os que a gente vai falar hoje no episódio. O da imortalidade da alma, por ter essa ligação com reencarnação, é muito comum ver em crenças orientais, ainda que, na verdade, em muita religião do mundo todo encontre-se algo desse tipo.
Juliano Yamada: Para quem assistiu o Avatar, a Lenda de Aang, e depois a Lenda de Korra, é basicamente aquele conceito. Pablo: Só que é interessante do Avatar que o que é imortal não é o avatar, aí isso explica depois nessa hora do (Korra) [00:02:02]. Juliano Yamada: Tanto que toda vez que ele vai entrar em uma vida nova, ele tem que aprender tudo de volta. Pablo: De novo, exatamente, porque o que é imortal é o espírito. O primeiro avatar se deu quando o avatar, o Aang, se une com esse espírito, e aí, quando o Aang morre, esse espírito renasce em um outro corpo. Ele carrega, então, essas várias memórias de todos esses avatares. É um conceito muito diferente daquilo que a gente está acostumado, quase como se… vamos supor, por exemplo, que, se a vida fosse uma alma que estaria encarnada no corpo, no corpo do avatar teria duas almas – teria a alma da pessoa e a alma do avatar. A alma da pessoa morre com o corpo e a alma do avatar renasce em outro corpo. Nilda: Isso é muito ligado à questão do Dalai Lama, eles líderes espirituais do Tibete, e que, quando um morre, reencarna em uma outra criança. Em avatar tem muito isso, porque até a forma de você saber quem é o próximo avatar é muito parecida com a forma com que os tibetanos fazem para saber quem vai ser o próximo Dalai, que é levar coisas dele para ver se reconhece, para ver se gosta. Então eles pegaram muito isso. Só que você tem que educar novamente, tudo do zero, a criança. Pablo: Só uma curiosidade: o atual Dalai Lama se chama Tenzin, que é o nome de um dos personagens da Lenda de Korra, que é o filho do avatar Aang. Juliano Yamada: Essa vertente do budismo tem até um conceito muito interessante, que você pode, por exemplo, reencarnar dividido. Você não precisa reencarnar em um corpo só, você pode pegar partes da essência do seu espírito e jogar para corpos diferentes. Leonardo: Você pode… mas você escolheria? Juliano Yamada: Vai depender do que você realmente precisa. Vai que na sua próxima vida você precise de três caminhos diferentes. Isso vai de acordo com a sua iluminação. E houve um caso registrado, acho que um monge reencarnou em duas crianças diferentes, em dois países diferentes; ele precisava estar nesses países, e, quando o encontraram… acho que uma delas era americana, que até no filme do Pequeno Buda eles até citam essa história, mas transformam em três. Mas, se eu não me engano, foram duas crianças. Nilda: A questão da imortalidade da alma eu acho que é a questão mais antiga que tem, porque é aquela coisa que você não sabe se existe. Nós somos imortais como espírito? O espírito existe? Primeiro a gente tem que aceitar que existe um espírito, que nós vivemos por causa desse espírito. Pablo: A primeira noção de espírito que a gente tem está relacionada à ideia de vida. A gente só vai conceber algo porque a gente vê que tem vida e, então, deve ter alguma substância, um algo que diferencie a vida da morte, um ser vivo de um ser morto. Tanto é que tem até aquela ideia de que tentavam comprovar a existência de uma alma, de um espírito, alguma coisa assim, então colocavam pessoas que estavam para morrer em uma balança e viam que, de fato, quando a pessoa morria, o corpo perdia exatos 22 gramas, que esse seria o peso da alma ou do espírito. Mas isso aí é lenda urbana. Juliano Yamada: Na verdade, quando você morre, algumas funções param, você vai perdendo a ação, então você pode expelir todo o ar que tem no seu pulmão. Você está segurando ar no pulmão. Você pode expelir certas toxinas que estão dentro do seu canal excretor, então, na hora que você morre, realmente, você vai perdendo peso. Você não vai ganhar. Pablo: É, mas não é no exato momento da morte, e é no decorrer de algum tempo. Mesmo depois de você morrer, o seu corpo continua soltando gases e, enfim, perdendo massa para outras coisas. Mas essa ideia de que um algo ali é uma noção bem antiga e é o que está relacionado com a nossa noção, depois, de alma e/ou espírito. Leonardo: É, até fazer um parêntese aqui para o ouvinte: já que isso aí lida muito com religiões diferentes, a gente está chamando de alma e espírito, mas de repente pode até ter outras palavras para definir, mas é só para mostrar essa essência do que seria a pessoa, que não é necessariamente ali o corpo. Pablo: Inclusive, para algumas religiões ou algumas noções nesse sentido, essa essência vital não está nem ligada à individualidade. A individualidade seria do corpo, e o fato de eu ter uma essência, como se fosse um líquido vital ali, faria com que ela ficasse viva; se eu tiro esse líquido vital, a pessoa morre. Mas não é algo que daria identidade. A ideia do Frankenstein é essa, inclusive. Ele achava que a essência vital seria a eletricidade, então, se eu coloco eletricidade de novo no corpo, eu posso voltá-lo à vida. Mas isso não quer dizer que a essência vital tenha a ver com identidade ou que a alma tenha a ver com identidade, quem a pessoa é. É só algo que dá vida para alguém. E essa é uma ideia bem antiga, na verdade, é uma das primeiras, que não está ligada necessariamente à individualidade. Aos poucos, com o passar dos séculos e das gerações, a gente vai associando a ideia de uma alma individual eu que daria, então, identidade e estaria ligada ao pensamento abstrato ou ao pensamento de uma forma geral, à memória, aos processos psicológicos de uma forma geral. Juliano Yamada: É interessante pensar até em relação ao coletivo, levar em consideração a primeira ideia do roteiro do Matrix. Originalmente, Matrix, os seres humanos não seriam um repositório de energia elétrica; eles, na verdade, seriam um repositório de processamento computacional, parte do processamento. Estaria sendo usada uma parte do cérebro das pessoas em um coletivo para gerar toda a Matrix, então você estaria lá dentro, por isso que seria uma relação do coletivo e por isso que o Neo tinha até um certo conceito de imortalidade. Ele morria no mundo real, mas conseguia estar vivo no mundo Matrix. Pablo: E é interessante você falar do coletivo, porque a ideia de espírito… durante muito tempo, você não tem… os relatos mais antigos de alma e de espírito, você não tem muita diferenciação. É quase como se fosse um sinônimo para essa essência vital, mas, com o passar do tempo, principalmente a partir de uns… pelo menos, no Oriente, ali na região da Grécia, mais ou menos há 2500 anos, você começa a ter uma diferenciação entre alma e espírito no sentido de que a alma seria algo individual e o espírito seria esse algo coletivo, no sentido, por exemplo, do Platão, tudo aquilo que diz respeito à minha capacidade de raciocinar, de pensamento, de memória, de experiências, seria a minha alma, e o espírito é o lado imaterial, o mundo das ideias; teria o mundo dos deuses, esse outro lado mais imaterial. E a alma teria uma substância quase espiritual – não seria 100% espiritual, porque a alma também está ligada ao corpo, que é material -, mas ela teria essa capacidade também invisível, por isso que a gente não vê a alma, mas ela está ligada ao corpo material. E aí a gente começa a fazer uma diferenciação entre o que seria alma e o que seria o espírito. O Aristóteles vai fazer também uma diferenciação, mas, depois de um tempo, principalmente depois, na Idade Média, com relação à Igreja Católica e Santo Agostinho, São Tomás, você começa a ter uma mistura de novo do que seria alma e o que seria espírito, porque você vai ter essa ideia de uma alma individual e um espírito divino, mas o São Tomás, principalmente, vai fazer a diferenciação dizendo que a alma é mortal, ela é a nossa capacidade de raciocinar nossos processamentos psicológicos, como se fosse a nossa mente, e o que daria a vida é o espírito, o sopro divino naquilo. Deus respirou em Adão, seria o espírito divino, que esse seria imortal; que, uma vez que morre, é esse espírito que retorna para deus, e a alma, esse processamento mental, morreria. Mas aí você também tem, depois disso, tradições espíritas que vão lidar com isso de uma forma diferente, dizer que são corpos diferentes. A alma é uma coisa, o espírito é outra, e eles são imortais ou mortais de formas diferentes. Aí vai depender da tradição espírita. Inclusive, a capacidade de ter outras entidades espirituais misturadas. Nilda: Os egípcios tinham um conceito que eram três ou quatros, digamos assim, espíritos aos quais você estava ligado. Leonardo: Ka e ba, um que ficava e o outro ia, ficava meio que ali onde a pessoa morreu, o outro que ia. Agora não vou pôr muitos detalhes, porque eu não lembro de cabeça, mas é bem isso aí, de ter dois. Pablo: A ideia do ka e do ba, se eu não me engano, era assim: todo mundo tinha essas duas almas, e uma vez que você preparasse o corpo para a imortalidade, tinha uma dessas almas que sempre ficava com o corpo, porque eles acreditavam que ia ter o momento da ressurreição, então essa alma tinha que estar sempre presente junto do corpo para preparar para a ressurreição. Mas, depois da morte, essa outra alma estava livre para poder ir além. Leonardo: É legal quando você vê a mesma cultura ali, a mesma crença em si, e você ter essas diferentes formas de imortalidade coexistindo. Ao mesmo tempo que você tem isso da imortalidade da alma, do espírito ali, você tem também a ressurreição, você vai ter personagens querendo manter a vida mesmo em si, da longevidade. É legal você ver como coexiste na mesma cultura. E uma coisa, o Yamada tinha falado do Matrix, aí eu lembrei um que é mais científico, que a gente tinha citado no comecinho do episódio, que seria essa ideia de mexer com a mente, você transportar, que é o que é chamado de upload mental. Você vai pegar a mente da pessoa e colocar em outro lugar, em um servidor, uma coisa assim, algo mais com um quê de sci-fi. Para mim, eu vejo isso como imortalidade da alma, seguindo esse mesmo aspecto, porque você está pegando algo que está existindo junto ao corpo da pessoa, e aí tira e não precisa mais ali do corpo, mas é algo meio… não é físico em si. Não é tão físico ali quanto o corpo mesmo. E é muitas vezes o que você vai usar para definir, nesses casos, o que é a pessoa, “O indivíduo é isso”, por quê? Porque é a mente dele. E a gente já, no episódio de mente, que a gente falou sobre o conceito de mente, a gente faz até essa comparação da mente ter essa mesma roupagem que a alma tem ou já teve mais, mas a mente seria algo mais recente, de ser meio que isso que define a pessoa. E aí, com essa questão do upload mental, você pega a sua mente agora e o seu corpo vai morrer, você tira e põe em outro corpo. Tipo, e se você pegasse a alma da pessoa e colocasse em outro corpo? Então segue esse conceito semelhante. Nilda: Sabe que uma das discussões sobre a questão do teletransporte, além, é claro, de toda a parte de você conseguir fazer isso de verdade, é, se você fizer isso em qualquer ser, eu vou teoricamente desmontar a pessoa aqui e montá-la em outro local – a mente vai junto? A alma vai junto? É uma discussão séria que se tem e que pode ser um empecilho e até, digamos assim, criar… por exemplo, se começarmos a ter ano que vem o teletransporte no mundo, você pode criar inclusive religiões, ou seitas, ou correntes filosóficas, ou o que seja, contra o teletransporte por acreditar que o que está sendo remontado é outra pessoa. Aquela série que eu estava falando para vocês, uma das tretas que tem é que existe toda uma religião, um pessoal religioso que não aceita você tornar os corpos eternamente… que, na verdade, eles são sempre rejuvenescidos. Você fazer esse rejuvenescimento para sempre é errado, você deveria, na verdade, morrer como todo mundo morre, sabe? É uma fase esperada da vida. E a série é interessante, porque ela está bem nessa transição entre as pessoas começando a viver demais e saber… e aí elas também têm um outro problema, que, a partir do momento que as pessoas vão parando de morrer, quando morre alguém, eles não sabem mais enfrentar a morte, porque eles não sabem mais como lidar com isso. São várias questões colocadas. Juliano Yamada: Essa parte do teletransporte, eu lembro que teve um episódio em Star Trek que abordou isso. É aquele episódio que o Kirk é duplicado. Pablo: E aparece uma versão maligna dele, não é? Na verdade, é quase como se ele fosse separado em dois, então ele tem o lado que é mau e um lado bom. E o que acaba aparecendo, o que aparece primeiro é o lado bom do Kirk, só que o lado mau acaba aparecendo depois e acaba causando confusão, até que eles descobrem e encontram um meio para poder reunir. Leonardo: Estava pensando agora, eu acho que, dos quatro tipos que a gente tem aí citando, esse da imortalidade da alma seria realmente o menos, assim, pé no chão. Ele se prende muito à questão da crença, das religiões, e realmente… porque, por exemplo, o legado social. O nome já se explica, legado social, legado da pessoa em si ali. O da longevidade: a gente tem animais que são considerados imortais de forma de longevidade porque regeneram, quando chegam a uma data, regeneram, então você considera esse quê de longevidade, e o próprio conceito de a gente estar melhorando a saúde, tomando remédio para manter, algo assim. Claro que não necessariamente vai acabar, ser realmente imortal, mas vai ter esse conceito da longevidade. E o da ressurreição, já que é voltar no próprio corpo, aí até você tem que realmente definir quando está realmente morto em si, porque para o coração, para a respiração, mas consegue fazer voltar. Então não estou dizendo que é realmente uma ressurreição, mas está mais próximo disso aí. Agora, esse da reencarnação e da imortalidade da alma, isso tudo, mesmo tendo mostrado esse… que é aí de upload mental, que seria um quê mais científico ou pelo menos mais sci-fi, essa própria ideia de se a mente realmente seria isso e tudo é meio controversa. Então eu acho que, dos quatro, ele é o mais difícil de alcançar, digamos assim. Vamos dizer, é mais difícil de a gente alcançar tirando quaisquer conceitos religiosos e de crença. Porque, se você for pegar por conceitos de crença e religião, muitas vezes já está até definido ali: “Não, você tem esse corpo, mas tem a alma, que depois vai para tal local” e tudo, já é uma coisa, mesmo que desconhecida, mais já estabelecida. Pablo: Levando em consideração a crença da maioria das pessoas, principalmente no Brasil, essa é a que as pessoas acham que é a imortalidade mesmo. Todas as principais religiões falam de imortalidade assim. Até se a gente levar em consideração, por exemplo, que a gente não tem como alcançar a imortalidade, ponto. As pessoas morrem. A única forma que a gente pode considerar imortalidade nesse sentido seria levando em consideração que a nossa vida permanece depois da morte e teria uma certa continuidade dessa alma, desse espírito depois, e é o que boa parte das religiões acaba defendendo hoje em dia. Leonardo: É o único que realmente 100% você diria que é imortalidade, porque longevidade você ainda pode pôr que uma hora a pessoa morre; ressurreição, a pessoa pode morrer novamente; até o legado social, que, quando a gente se aprofundar nisso, eu tenho uns certos poréns com isso, pode acabar. Agora, esse da alma não. Você considerar que existe um local eterno e que todas as almas vão ficar nesse local, tudo, e vai para sempre, mesmo que a gente não consiga realmente imaginar o que seria algo para sempre, apenas definir dessa forma, está lá, então é 100% imortal. [Trilha sonora] Leonardo: O de ressurreição… a princípio, a ideia da ressurreição é essa, de o seu corpo ali morrer, você em si morrer, e você voltar ali mesmo. Então, como eu falei, tem um quê científico no sentido de que de repente o seu coração para ali, tudo bem que ainda não vai considerar óbito necessariamente, mas ali você pode fazer a pessoa reviver. Tem até esse conceito ali: reviver. Então a ressurreição entra nisso. Cristo entraria nesse aí? Eu não sei até onde vai a ideia de ter sido o mesmo corpo. Pablo: Aí há controvérsias, porque, dentro da história do cristianismo, a gente tem mais ou menos uns mil anos onde as pessoas discutiam, e guerreavam, e matavam em torno dessa questão. Aquele episódio que a gente gravou sobre os vários cristianismos, sobre as heresias, a gente falou um pouquinho sobre algumas dessas brigas, mas uma delas era sobre isso. Se, por exemplo, Jesus morre e o Cristo é imortal; ou se o corpo de Jesus mesmo volta ou se é um corpo diferente; o corpo mesmo morreu, aí o que volta ali é um corpo espiritual, uma coisa assim. E, nossa, teve muitas interpretações. E, eventualmente, a Igreja Católica, decide por algumas posições, só que elas não acabaram sendo consensuais, porque, a partir do momento que você tem a reforma protestante, você tem a possibilidade de novas interpretações, e é o que acaba acontecendo: denominações protestantes diferentes acabam tendo interpretações diferentes sobre o que é isso. Então não tem uma resposta clara sobre Jesus e em qual ele se encaixa. Leonardo: Mas isso a gente tem figuras que representam. Isso aí, do Cristo, fica, assim, meio dúbio; uma outra figura que a gente tem é a do Doctor, entraria nesse de ressurreição, não é? Morre e regenera e volta ali, mesmo que o corpo modifique, mas está no mesmo em si. E uma figura muito famosa nessa parte de ressurreição, e ela simboliza isso, é a fênix, porque a da ressurreição você vê que está realmente ligada com morte, porque os outros entram muito na ideia de evitar ou jogar mais para a frente. Agora, a da ressurreição você precisa morrer, que é a ideia de você voltar à vida, e a fênix é isso, ela se queimar e aí ela ressurge das próprias cinzas. Então ela é uma das principais imagens que a gente tem disso. Um que eu pus aqui como longevidade, mas agora fiquei pensando se ele também não se encaixa nisso, que é o próprio conceito do vampiro, porque o vampiro, por mais que também tenha a ideia de você matá-lo e depois destruí-lo, seja com a estaca ou cruz o que for que seja, em qual mitologia esteja utilizando, mas ele morreu e aí ele volta. Só que muitas vezes você não considera que ele está vivo, ele é um ser morto, tipo um zumbi também. Não vai considerar que ele está vivo, mas ele está ali agindo, ele está interagindo, ele está consciente em si, só que também muitas vezes para, ele não envelhece mais, então você vai pegar, tipo, vai, o Drácula. Pô, tem anos e anos, tem séculos ali de ele estar ali, não envelhecendo. Muitas vezes também não envelhece por precisar de um alimento, muitas vezes do sangue, se coloca dessa forma, então volta àquele conceito de você se alimentar de algo para manter a longevidade, mas, ao mesmo tempo, ele morreu e voltou. Nilda: No caso dos vampiros, a maioria das histórias, ele volta com a memória, então pelo menos uma parte da alma ou da mente se mantém. Então é realmente uma ressurreição, pelo menos eu encaro como um tipo de ressurreição que dá a esse ser… Leonardo: O problema é: o quão vivo ele está? Nilda: … normalmente um poder especial. Leonardo: É, nisso acho que do vampiro a gente encaixa também, tipo, zumbi nisso aí, porque ele está ali, mesmo até que você não coloque a questão das memórias, mas está ali o corpo dele interagindo. Nisso da ressurreição, a gente até coloca um quê científico no conceito da criogenia, e aí a gente pode voltar lá também para a longevidade quanto para a ressurreição, porque a criogenia, o conceito dela vai desde se a pessoa ainda está viva e está com algum problema, e aí você põe a criogenia para mantê-la até conseguir resolver isso, então todo esse período ela não morreu nem mesmo envelheceu; ou então mesmo até se ela estiver morta. Tem o conceito de a pessoa acabou de morrer, você põe na criogenia para “Vamos tentar, vamos esperar quando resolver isso”. Eu lembro, eu acho que foi nos Simpsons, não lembro onde era que o cara morreu e aí pôs na criogenia e estava esperando a cura de tal coisa e morreu com facadas. Pablo: Foi o Senhor Burns. Leonardo: Que ele morreu com 11 facadas, e até o momento eles tinham descoberto só a cura para dez facadas. Nilda: Acabei de me lembrar de uma história que aconteceu esse ano nos Estados Unidos, de uma pessoa que estava condenada à morte, aí ela passou mal, foi para o hospital e lá ela teve que sofrer ressuscitação mecânica, tipo, o coração para de bater, você ressuscita e volta. E depois ele voltou para a prisão e o advogado dele entrou com um pedido para ele ser solto, porque ele já havia morrido e teria cumprido a pena quando… porque, se estava constando lá que tiveram que ressuscitar ele, então, se ele foi ressuscitado, é porque ele tinha morrido, então ele tinha que ser solto. O juiz não aceitou isso. Leonardo: A gente está falando dessas questões de cada religião ver de um jeito ou mesmo questões filosóficas e tudo, mas, quando você entra na parte legal também isso dá um problemão. Isso aí realmente tem que estar definido, o que é vivo, o que não é vivo, o que é a pessoa em si. Juliano Yamada: Todo mundo sabe por que o juiz não aceitou, não é? Se existe um caso que deu resultado, provavelmente casos similares vão dar o mesmo resultado. Nilda: E aqui, no caso, não foi só isso, ele disse que não, que a morte teria que ter sido certificada por um legista de que ele estava realmente morto. A partir do momento que os médicos só constataram uma parada cardíaca e conseguiram fazê-lo voltar, não era considerado pena de morte. Aí depois o mataram pela pena de morte. Quer dizer, acho que não mataram ainda, mas ele ainda vai morrer pelas mãos do Estado. Leonardo: É, se for pela questão de ter parada cardíaca, então também já revivi, já tive a questão de imortalidade. Nilda: Você ressuscitou. Ressuscitar é uma coisa; isso não necessariamente traz imortalidade. Pablo: É, se você continuar ressuscitando todas as vezes que você morrer, você pode se considerar imortal, porque você não morre. Por definição é isso, mas você tem que ressuscitar todas as outras vezes que você morrer. Se você morrer e não ressuscitar, aí não é mais imortal. A gente vai saber isso a próxima vez. Leonardo: Todas as vezes que eu morri, eu ressuscitei, então… Nilda: É que tem um senhorzinho que fizeram a festa de aniversário dele esses dias, de cem, 102 anos, e perguntaram: “Qual é o segredo?”, ele: “É não morrer”. Leonardo: Boa. Nilda: É o segredo da imortalidade, não morrer. Leonardo: Esse da ressurreição, como eu falei, na parte científica que a gente falou aí da criogenia, mas o próprio conceito da regeneração pode, em alguns casos. Indo para narrativas mais sci-fi ou coisas fictícias em geral, ele pode nem atingir a morte, então aí nem entraria no caso de ressurreição, ou pode morrer e voltar. A gente tem do Highlander, a gente tem isso aí, que ele morre e retorna, e muitas vezes, em alguns casos, você vai ter essa regeneração de que nem chega a morrer, e aí fica a longevidade. Então são conceitos que andam… a regeneração vai para esses dois lados, tanto longevidade quanto ressurreição. [Trilha sonora] Leonardo: E o último tipo de imortalidade que a gente tem, a gente já o citou em alguns pontos aqui, que é o do legado social. Ele talvez seja o mais plausível de todos, apesar que eu tenho alguns poréns nele, mas é interessante que é a ideia de você manter a memória da pessoa, a memória de algo, mas a memória não na pessoa em si, mas na cultura, na humanidade, na civilização. Um exemplo mítico que a gente tem disso aí, que a narrativa dele vem muito nisso, é o do Aquiles, que a gente citou aí anteriormente, porque a ideia dele é: a mãe dele profetizou que ou ele iria ter uma vida longa, mas sem nada demais e ser esquecido ali, ou então ele iria ter uma vida curta, uma vida breve, porém a imagem dele iria ser imortalizada, ele iria se manter ao longo dos séculos, e foi o que aconteceu. Logo, logo ele foi para a guerra de Tróia, morreu ali, morreu jovem, e a gente lembra dele até hoje. Então seria essa ideia, ele seguiu esse caminho, ele é um exemplo disso. E seria isso aí, o corpo, até a alma, a mente, o que for da pessoa acabou, mas a imagem dela, o conceito dela, o legado manteve-se. A gente falou inicialmente que muitas pessoas correm atrás da longevidade, que querem manter ali o status e tudo, mas esse também é um que eu acho que muitas vezes a pessoa corre atrás. Tem gente que quer manter a fama, quer ficar escrito na história. É o que a gente faz aqui com o Papo Lendário, que a gente vai manter esse podcast para longos e longos anos aí. Nilda: Enquanto tiver como reproduzir os áudios salvos, está aí. Leonardo: Vai estar lá. Nilda: É, mas essa ideia do legado social, eu não sei de qual cultura que vem esse ditado, se é de várias culturas, mas é a que você só morre quando… tem duas coisas, que você só morre depois que todo mundo que você conheceu, todas as pessoas que poderiam se lembrar de você morreram, então, enquanto alguém ainda lembra de você, você está vivo; ou que os rastros do que você fez ainda permanecem na humanidade ou em um povo. Enquanto o que você fez continua, você ainda continua vivo. Existe esse ditado, várias pessoas repetem isso, e é por isso que, às vezes, algumas pessoas megalomaníacas resolvem construir, sei lá, uma pirâmide para que não esqueçam dela ou um túmulo enorme, ou você dá o nome da pessoa para a rua, para o viaduto, tudo para que ela não… Pablo: Ou para todas as cidades que você conquista, não é, Alexandre, o Grande? Juliano Yamada: Ou faz uma estátua gigante que cospe fogo e fica gritando de cinco em cinco segundos: “Lembrem de mim”. Nilda: Onde é isso? Juliano Yamada: Futurama. O Bender vira um faraó em um planeta e ele manda construir uma estátua gigante dele mesmo. Leonardo: É interessante isso aí, que é esse conceito megalomaníaco, como tinha falado que ou a pessoa quer essa longevidade ou quer essa questão do legado. E eu acho que do legado vem quando a pessoa percebe que longevidade não vai ter jeito, não vai conseguir, tipo o Gilgamesh ali – o Gilgamesh é um exemplo – que quis a longevidade e não conseguiu, mas conseguiu o do legado. A pessoa cai a ficha que realmente não tem como, “Não vou viver para sempre”, então pelo menos vou manter o meu legado. Pablo: E pessoalmente eu acho esse tipo de imortalidade uma coisa muito bacana para a gente pensar no sentido de que enquanto a gente fica pensando que o meu desejo por imortalidade tem a ver com as minhas memórias da minha vida, a gente vai desejar a longevidade; mas, a partir do momento que a gente percebe que as memórias não são minhas, as memórias são da humanidade, aí o legado social já passa a ser o caminho, então a gente vai querer fazer uma coisa pra deixar uma marca. Essa diferenciação é muito importante, principalmente dentro da Psicologia, quando a gente vai pensar, por exemplo, na educação de pais e filhos. Enquanto os pais ficam pensando “Não, os filhos são meus, eles me pertencem, então eu posso fazer o que eu quiser com o meu filho, porque ele é meu”, você está criando pessoas doentes e pequenos monstros. E a partir do momento que você percebe que “Não, eu estou só cuidando do filho, mas o meu filho pertence à humanidade, ele não pertence a mim”, aí você começa a ter uma relação mais saudável. E psicologicamente, quando a gente começa a sair dessa individualização desses processos e entender que tudo isso pertence, a gente pertence a uma humanidade – é uma forma de ver isso também – coletiva, a gente consegue ter uma vida um pouco mais tranquila, e a ideia de imortalidade pelo legado social entraria nesse caminho também. É quase como se fosse uma ideia mais madura de reconhecer a própria mortalidade e a imortalidade que você pode fazer. Juliano Yamada: É interessante até pensar em relação até à história do próprio Superman, que tem isso nas histórias mais famosas. Boa parte do legado do Superman é, na verdade, a forma que ele foi criado pelo pai terráqueo dele. O pai kryptoniano sabe que “Ah, eu estou mandando meu filho para outro planeta, porque o meu planeta está morrendo e meu filho vai continuar meu legado”. O pai kryptoniano do Superman está vivo no Superman, está vivo nele, então o pai terráqueo o transformou em um super-herói. Tanto que até tem histórias mostrando o que aconteceria se o Superman não fosse criado pelo Jonathan Kent. Uma das melhores, por assim dizer, é o Red Son: Entre a Foice e o Martelo. Leonardo: E, nesse ponto, a gente citou aí do Aquiles e do Gilgamesh, também do Superman e tudo, essa questão, mas, se for ver, toda questão mítica eu acho que entra, de mitologia antiga, vai entrar nisso. Todos os personagens dos quais a gente lembra e está narrando as histórias deles tiveram esse legado, então todos os deuses. É até interessante, porque os deuses, a gente falou da ambrosia e tudo mais, da longevidade, mas, quando você entra em um conceito até dos tempos de agora, a la Deuses Americanos, é muito disso, do legado. Enquanto as pessoas estão ali acreditando ou estão falando dele, ele está ali vivo. Então é aquela ideia: os deuses existem, basta você acreditar neles. Então eles estão dentro dessa imortalidade de legado. Nilda: Se a gente parar para pensar, que nem eu falei da questão lá, vai construir uma pirâmide, você é megalomaníaco, mas essa questão de você deixar os descendentes ou os seus discípulos é a coisa mais interessante que eu acho nessa questão do legado social. Não à toa a gente sempre procura – a maior parte da humanidade procura – se reproduzir para ter filhos que vão levar os seus genes e também a sua cultura, e nisso leva também a cultura da sua família, de tudo que está em volta. E aí, se não é um filho de sangue, um filho geneticamente mesmo, é um filho adotado ou, como acaba acontecendo, você acha que só vai estar educando filhos, você só está deixando legado através daquele filho, mas, por exemplo, quem é professor acaba deixando um legado às vezes por várias gerações, porque ele formou pessoas que vão reproduzir várias coisas que são dele, ideias dele, jeitos de fazer, o que ele ensinou ali, que a pessoa aprendeu, também vai ser passado para a frente. Então está mantendo o legado daquela pessoa. Não é só questão genética, a questão também da cultura que você está passando, dos ensinamentos, tudo mais. Leonardo: É, que você falou de construir pirâmide, ou então tem a questão do filho; eu, nesse caso, preferiria que o meu legado fosse construir uma pirâmide do que ter filho. Mas é interessante ver isso aí, só que tenho dois poréns, mas refletindo eu vi que dá para ir além disso, mas um é aquela questão assim: o legado está dentro ali da cultura, está na humanidade. Então, acabou a humanidade, acabou o legado. Então pode sim ter um fim. E outro é a ideia de: existiu a pessoa, aí fez algo, aí manteve o seu legado. Depois as pessoas vão lembrar dos feitos em si, de como era a pessoa, mas… o quanto isso não vai modificando com o tempo? O quanto que a gente, olhando para alguém ali do passado, não vai ver com os olhos de agora, então vai mudar o que a pessoa realmente fez? Sabe, de você ir deturpando a história da pessoa, faz o revisionismo. Então aí você está alterando o legado da pessoa, está matando aquele legado e está criando um novo, de certa forma. Então esses são os meus dois poréns. Não dizendo que não exista isso, mas são formas de você ver também o que o legado social pode sofrer. Juliano Yamada: Você pode pensar até, em consideração ao legado imortalidade, coisas absurdas. Você tem por aí um certo alemão, austríaco, de bigodinho que você pode considerar o legado dele imortal. Fez coisas terríveis, até hoje isso está sendo lembrado. Leonardo: É, então, e o pessoal que quer fazer o revisionismo e mudar? É essa que é a questão. Nilda: Tem não só isso, como às vezes você não sabe mais, porque é quando você redescobre alguma coisa. Por exemplo, um exemplo de você redescobrir, aí você tenta refazer a história é o Tutancâmon. Ele sequer constava, se eu não me engano, da lista de faraós que foi feita na época que o Egito já estava sob domínio grego, que fizeram uma lista enorme de dinastias de faraós – teve um historiador grego que fez isso – e não tinha o Tutancâmon aqui. De repente, descobrimos, por várias escavações, foi vendo que tinha mais dinastias além daquelas da listagem e, de repente, você acha o Tutancâmon, que não estava em nenhuma. E aí? Aí agora você está reconstruindo toda essa história, e nisso existem várias versões, tanto a dos pesquisadores como a dos livros, como a dos místicos, como tudo, só que o legado está lá, todo mundo sabe que ele existiu. Leonardo: Nesse sentido, então, acabou tendo uma ressurreição social, não é? Você não sabia ali e aí o legado só veio depois que descobriram, então ressurgiu de certa forma. Juntou meio que os dois.
Nilda: Ele não exatamente construiu uma pirâmide, mas a tumba que ele construiu serviu para manter a história dele. Se é exatamente a história dele… porque também tem outra coisa, aí nós temos que ver a questão da perspectiva. Eu entendo de uma maneira; quem convive comigo talvez tenha outras impressões de mim que não são as mesmas que eu tenho. Aí se a pessoa contar o que ela acha de mim, ela está fazendo a revisão da minha história ou é o ponto de vista dela?
Juliano Yamada: Imagina o seu velório. Sempre vão fazer revisionismo sobre a sua história, contar, na verdade, a sua história pelo ponto de vista deles, não pelo seu ponto de vista.
Leonardo: Por isso, então, vou ver se eu faço já uma biografia minha antes, já para deixar ali e falar: “Quer contar a minha história? Conta essa aqui. Não tem que contar nenhuma outra”. Vai estar lá no meu velório, vai estar aqui, olha, a minha história é aqui, não vem ninguém querer falar outra coisa, não. Eu que escrevi, eu sou o que sei mais de mim, então acabou.
Juliano Yamada: Pensa bem: quando você vai embora, o que sobre de você? Sobre o contato que você teve com uma pessoa, que foi um contato bem grande, por exemplo, você conviveu durante 10, 20 anos com essa pessoa – essa pessoa vai ter uma imagem sobre você. Mas vai ter pessoas que você teve contato durante dois, três dias ou algumas horas – essas outras pessoas vão ter outra imagem sobre você. Então você vai ter várias imagens, vários símbolos. É que nem até… acho que no American Gods tem o Jesus mexicano.
Leonardo: É porque se aprofundar muito nos Deuses Americanos chega até a um certo spoiler e tudo, mas eles, em geral, o conceito é esse. Já que tem o legado ali, você tem o legado daquela versão, naquela cultura, naquela versão, daquele jeito. Tipo, o Odin, falando da história do livro, está nos Estados Unidos, ele tem aquela versão, mas de repente, se você for lá para os países nórdicos, o Odin de lá seria diferente. E eu acabei de dar um spoiler do livro.
Pablo: Mas a gente pode pensar que na própria Grécia era assim. Zeus, por exemplo, que era o deus dos deuses… todo mundo tinha uma própria versão de Zeus, e até para justificar que a sua cidade foi criada por um herói descendente de Zeus, Zeus é tido como o cara que teve caso com todo mundo. E aí você, juntando todas essas versões diferentes, acaba criando uma única história com várias versões, com vários legados.
Juliano Yamada: O seu povo representa a sua imortalidade. Se você, por exemplo, Leonardo, vai para o deserto e lá cria uma civilização; ele vai ser lembrado como o fundador daquela civilização, mas ninguém vai lembrar dos erros que o Leonardo fez.
Leonardo: É, e nem tem que lembrar, não.
Nilda: Ou pode ser o contrário, podem lembrar só dos erros.
Leonardo: Eu já lembro dos meus erros para que eu possa consertá-los, então os outros não precisam lembrar dos meus erros. Deixa que eu lembro deles. Então eu conserto, a pessoa lembra só dos acertos, pronto.
Juliano Yamada: Quem vira o imortal, a pessoa ou a imagem que os outros tinham? É interessante pensar sobre isso.
Leonardo: Exemplos de legado social, a gente tem qualquer imagem histórica aí, mítica, que você tenha por todo esse tempo, então está recheado de exemplos em si. A gente citou do Aquiles porque a narrativa dele já se prende a isso, mas qualquer divindade, qualquer personagem mítico que está sendo lembrado está aí.
Nilda: Eu lembrei de um ditado de um amigo meu, que eu não lembro qual imperador chinês, um dos fundadores de alguma das dinastias, que ele é considerado… foi divinizado. E aí esse meu amigo falava que deve ter sido um personagem histórico que foi divinizado, porque, segundo esse meu amigo, qualquer sociedade civilizada transforma alguém importante em um deus. Tem várias teorias e vários, digamos assim, indícios de que alguns deuses, na verdade, foram humanos considerados tão importantes que foram divinizados. Aí é aquela coisa: a imagem que passaram a ter dele foi tal que ele foi transformado em deus. Aí ele poderia ser um mero mortal, mas não interessa, a imagem que ficou foi de uma pessoa tão imponente, tão importante, tão inteligente ou sei lá que virou um deus. É o exemplo para todos.
Leonardo: Sim. É, a gente não pode se prender àquela ideia de tudo que era mítico, na verdade, foi algo no passado que aconteceu e aí tornaram assim, mas tem-se exemplos de que você pode ver: “Olha, esse daqui foi uma pessoa que existiu”. Uma coisa não descarta a outra e tudo, então esse do oriental tem.
Pablo: Quando a gente fala sobre legado, é interessante lembrar daquele filme Viva, a Vida é uma Festa, que ele parte dessa ideia também, de que a alma é imortal, só que a alma só vive enquanto se lembram dela, e, quando a última pessoa que se lembra de você morre, a sua alma também morre. Então depende muito da lembrança da pessoa. Então esse filme é bem interessante, porque ele vem com essa ideia do… ele mistura esses dois sentidos, da imortalidade da alma e do legado social, que um depende do outro.
[Trilha sonora]
Leonardo: Apesar de citarmos conceitos míticos e religiosos, em alguns momentos aí você viu que a gente chegou a questões da ciência quanto à imortalidade: alguns animais, o upload mental, criogenia. Mas, na verdade, digamos que seriam conceitos científicos e de ficção científica. Acho que, se fosse só ciência, entraria o quê? Vamos ver. Porque até a criogenia é meio assim. Seria da longevidade desses animais, porque já que tem essa definição de imortalidade biológica, porque tem alguns animais que chegam a uma certa maturidade e voltam para outro estágio, então eles não vão envelhecendo. De exemplos a gente tem as hidras e algumas águas-vivas. Tem outros também, animais. Mas, na natureza, o que mais a gente pode encontrar desse tipo?
Pablo: Tem células humanas que tecnicamente são imortais.
Nilda: Células da Henrietta Lacks, não é?
Pablo: Isso, células de HeLa, que chama.
Juliano Yamada: É verdade.
Pablo: Essas células de HeLa são células que foram tiradas de uma paciente de câncer para poder estudar, e viram que essas células meio que se reproduziam e cresciam. Isso foi na década de 50, 60, e até hoje estão aí sendo usadas inclusive para vários experimentos científicos pelo fato de elas se reproduzirem. Tem em vários laboratórios diferentes.
Leonardo: Mas são as mesmas células ou são tipo filhas, estão se reproduzindo?
Pablo: Aí entra de novo nessa questão do que a gente vai considerar dentro dessa reprodução, porque, vamos pensar, você tem uma célula. Quando ela se divide em duas células diferentes, como é a reprodução da própria célula, essas duas novas células são duas cópias da mesma célula original? São células-filhas da mãe e a mãe morreu? Como a gente vai considerar? Porque é isso que está acontecendo com essas células do tumor, elas só estão se reproduzindo, elas se multiplicam. O que a gente vai dizer? É a mesma célula? Mas, em tese, se considerar que até mesmo um tumor tende a morrer, por conta da forma de multiplicação das células, cada vez que uma célula passa por uma divisão dessas, parte do DNA se desfaz, se eu não me engano. Uma parte do DNA chamada de telômero, que seria a parte da molécula do DNA que daria a longevidade. Então um telômero muito longo e resistente pode se multiplicar por várias vezes; se tem um telômero mais curto, tem menos (inint) [00:46:49] de se multiplicar. Isso inclusive é um problema quando a gente vai clonar um corpo, porque, quando você clona… por exemplo, isso aconteceu com a Dolly, pegou-se uma célula de uma ovelha adulta e fez-se um clone colocando em um óvulo, e aí nasceu a ovelha que foi crescendo como se fosse uma ovelha bebê. Só que essa ovelha, como foi tirada de uma ovelha adulta, o telômero já estava desgastado, então ela acabou sofrendo em idade precoce dos problemas da velhice.
Leonardo: Sim, e essa questão do telômero, esses animais que são considerados imortais biologicamente trabalham nesse conceito do telômero.
Pablo: E inclusive tem muitas pesquisas científicas dentro da biologia e da medicina que trabalham com a ideia de promover uma longevidade ou uma imortalidade tentando trabalhar em cima do telômero do nosso DNA. Então, se a gente quiser trabalhar com a gente em cima de uma imortalidade maior ou de uma longevidade maior, a gente teria que trabalhar uma forma de manter esse telômero, de aumentar esse telômero. Tem muita gente que já está trabalhando, está pesquisando. Não sei quão perto ou longe eles estão chegando, se é alguma coisa ligada a isso, mas o caminho para se seguir é esse. Se a gente vai trabalhar com uma imortalidade humana, biológica, que é a ideia de longevidade, tem que se trabalhar em cima dos telômeros. Isso a gente já sabe, o problema é que a gente não sabe como fazer isso. Se a gente conseguir consertar telômero, em tese, a gente consegue inclusive reverter idade, pegar alguém velho, fazer uma terapia genética para poder reverter telômero e a pessoa sai mais jovem. Em tese daria para fazer isso, mas não sei da viabilidade efetiva disso.
Leonardo: Isso aí já deve estar também relacionado com aquele negócio de transumanismo.
Pablo: Isso. A ideia do transumanismo é uma outra ideia também de imortalidade bem interessante, que acaba se encaixando nessa ideia de longevidade, porque, se eu vou trocando partes do meu corpo por máquina, e já tem gente que faz isso – você tem órgãos que são substituídos por máquinas e órgãos sintéticos, ossos de metal e músculos, enfim, e outros órgãos assim -, eventualmente, em tese, a gente poderia chegar a um ponto de integração com a máquina para poder não morrer mais. Então, se o nosso cérebro, parte do nosso cérebro começa a dar problema, a gente troca por um chip, vai trocando as partes, como a ideia lá do Navio de Teseu, vai trocando. Em tese, seria uma forma de a gente também estender a nossa vida pelas máquinas, e as partes mecânicas são mais fáceis de serem trocadas depois, então essa é uma forma também que está se explorando através do transumanismo e da integração homem-máquina. E eu acho mais viável essa troca gradual do que simplesmente a gente pegar a consciência e a mente e jogar em um computador, por quê? Porque a consciência e a mente não existem. Mas, se for essa integração do próprio corpo com a máquina, aos poucos essa ideia da nossa identidade pode ir se integrando com essas experiências da máquina, nesse sentido, e aí a gente passa a ser humanos diferentes, transumanos, no caso, mas potencialmente mortais também.
Nilda: Eu penso nos dilemas filosóficos disso, do transumanismo, de, de repente, será que você continua sendo humano quando você tem, sei lá, mais de 60% do corpo máquina?
Pablo: O Asimov que escreveu O Homem Bicentenário e lá ele discute mais ou menos isso, porque no Homem Bicentenário é um robô que vai criando uma forma de se transformar em humano, vai mudando aos poucos as suas partes mecânicas e se transformando em mais humano. Enquanto ele está fazendo isso, ele desenvolve tecnologia para aprimorar os seres humanos. Então de certa forma ele se torna mais humano porque ele constrói partes semissintéticas que os outros humanos passam a usar também. Então ele cria um sangue sintético com órgãos sintéticos e os outros humanos passam a usar como se fossem deles, então, em tese, todo o corpo dele é humano, porque todos os humanos também, de certa forma, estão usando partes que são iguais ao corpo dele. Só que o que nos outros são partes, nele é tudo. E aí é parte desse dilema filosófico. E no livro, eventualmente, ele é considerado – spoiler do Homem Bicentenário – um humano de 200 anos de idade.
Juliano Yamada: Ele é considerado o humano não mitológico mais velho.
Pablo: O mais velho, exatamente, porque ele chegou a viver 200 anos de idade, que é todo esse tempo.
Juliano Yamada: Ele recebe a notícia segundos antes de vir a falecer.
Pablo: Tem essas reflexões filosóficas, discussões aí, porque, se é possível a gente fazer essa integração do humano com a máquina, seria possível a gente também fazer o inverso, a máquina se tornar mais humana. E aí toda a questão da vida entraria, e, em tese, o Jornada nas Estrelas também brinca com isso com o personagem do Data, que é um androide. Ele é androide, ponto. Só que o sonho dele é se tornar um humano, e aos poucos ele vai se aprimorando nesse sentido, mas principalmente com relação ao comportamento e à programação dele. E, no decorrer da série e dos filmes, entra a integração dele com partes biológicas. Ele aprende a sonhar, ele tem um chip de emoção que é colocado no cérebro positrônico dele, que ele desenvolve emoções humanas, ele tem que aprender a lidar com essas emoções, então ele vai aos poucos emulando, até que se questiona: será que ele pode ser considerado vivo? E, se ele fosse considerado vivo, em tese ele poderia viver para sempre, já que a máquina não tem prazo de validade. A máquina pode ir simplesmente trocando as partes com defeito e viver. E aí seria um incômodo. O Picard inclusive tem uma conversa com o Data nesse sentido, que, se você for considerado vivo, em tese você ia ser considerado imortal, e nós humanos temos problemas com pessoas que se apresentam imortais para a gente. A gente tende a não aceitar muito bem. Tem alguns episódios em que é discutido isso. Então essas discussões todas, científicas, são bem interessantes, principalmente hoje em dia, que a gente já está vivendo em um período onde a ciência já está fazendo muita coisa além daquilo que a gente sonhava ser possível para a existência. A gente já está curando doenças que antes, tipo, “Nossa, você pegou tuberculose? Meu deus, você está morto”. A ciência está desenvolvendo muita coisa nesse sentido. E a ideia do transumanismo de uma forma geral é você utilizar tudo isso para ir além daquilo que a gente considera ser viável. E, se a gente conseguiu chegar até esse ponto agora, é capaz que em um futuro não muito distante a gente consiga ir bem mais longe também.
[Trilha sonora]
Leonardo: E aí, para finalizar, eu pergunto para vocês, e aí é uma pergunta também para o ouvinte: quem quer viver para sempre? Vocês gostariam de viver para sempre? Se aparecesse alguma entidade e, por mágica, conseguisse te dar a imortalidade de uma hora para outra, vocês aceitariam?
Pablo: Eu ia colocar uma condição: eu iria aceitar se junto com a imortalidade viesse também a juventude, que eu não envelhecesse mais, porque eu já vi muita história onde, beleza, vai ter imortalidade, mas você vai envelhecer, o que não dá muito certo. Tem inclusive uma história muito interessante, que eu recomendo, caso vocês consigam encontrar. É uma noveleta, tem 40, 50 páginas, chamada O Imortal – o autor, se eu não me engano, se chama Márcio Feijó -, que conta mais ou menos essa história. Eu não quero dar spoiler, porque a história é bem divertida, mas parte da história – não é toda – envolve o dilema de um cara que quer ser imortal, e ele faz de tudo, seitas satânicas e tudo que ele consegue para poder ser imortal, e parece que dá certo. Só que tem todo esse dilema que ele pede para ser imortal, mas ele não pede para ser jovem, então ele envelhece e fica com diabetes e problema no coração, e fica cego, paralítico, mas é imortal.
Leonardo: Então, se mantivesse a juventude e a saúde…
Pablo: Eu não ia ver muito problema em ser imortal, principalmente porque aí eu ia ter tempo para fazer o que eu quisesse.
Leonardo: E você, Yamada?
Juliano Yamada: Faria um pedido parecido, a única diferença é que não queria ter dívida. O ruim de você viver para sempre é que você tem dívida para sempre também.
Pablo: Mas ter dívida para sempre não é muito problema, porque eu posso ter hoje… comprar uma ação que vale um real; daqui a algumas centenas de anos, essa ação vai estar valendo milhões de reais, e aí eu consigo pagar as minhas dívidas ou então dar o calote, foda-se. A pessoa que está me cobrando já morreu. Então não ia ter problema com relação a isso. Ou então falar: “Ah, você vai pagar a sua dívida com prisão, você vai ficar 30 anos na cadeia para pagar essa dívida”, não tem problema, fico 30 anos na cadeia, saio, continuo vivendo. Não ia fazer muita diferença.
Leonardo: E você, Nilda? Porque você já tem a questão da imortalidade da alma, não é?
Nilda: É, tenho a questão da imortalidade da alma, mas eu não gostaria da imortalidade. No máximo, uma longevidade, desde que ela viesse acompanhada de saúde, porque eu já cansei de ser diabética. Imagino a vida eterna como algo que acabaria ficando tedioso, acabaria ficando complicado para você viver. As pessoas que você ama iriam morrer e você ia ter que estar sempre naquele… renovar laços eternamente e perder esses laços, as pessoas morrendo e você voltando; ou então você se torna totalmente, digamos assim, uma pessoa que não se liga a ninguém nunca para não sofrer, isso repetidamente você ter ou não ter laços com as pessoas. Só eu sendo imortal, eu acho que já seria extremamente problemático, e eu acho que a humanidade como um todo virando imortal também seria problemático, porque… tudo isso que a gente falou. Você vai querer ter filhos? Não, você vai superpovoar a Terra. Você vai ter o que fazer? Uma hora você enjoa. Será que você vai conseguir viver para sempre? Você não vai ter pressa para fazer as coisas. Não sei, não quereria ser imortal. Talvez ser um mais… ter uma vida, sei lá, de 150 anos, 200, mas mais do que isso eu acho que iria cansar. A vida às vezes cansa.
Leonardo: Eu partilho muito dessa ideia. Tudo que vocês falaram, eu também penso dessa forma, mas eu acho que recusaria realmente, em parte por muito isso que a Nilda falou. Eu acho que eu aceitaria só, e claro que aí seria fácil demais, se eu pudesse falar assim: “Beleza, eu aceito, mas se quando eu quiser desligar isso, eu puder desligar”. Quando eu puder falar: “Não quero mais ser”, eu volte, mas aí também é muita mamata, porque é meio que escolher quando querer ou não. Porque o conceito de ficar imortal, de nunca morrer, me incomoda de uma maneira… incomoda demais, tanto que eu, por não ter religião, por não ter crença nenhuma, a própria ideia da alma, de viver em um céu, em um paraíso para sempre, e considerando ainda que eu tenha esse mesmo tipo de cabeça, também me incomoda, sabe? O próprio conceito que religiões já colocam me incomoda, eu recusaria com certeza muito por esse conceito, tipo, vou perder tudo, vou ter que me afastar. Eu imagino que, se isso não vier com uma sanidade perfeita, eu vou ficar louco. E, ao mesmo tempo que me incomoda a ideia de ficar imortal, a ideia da mortalidade, para mim, é reconfortante, porque isso muito é uma visão minha, se prende à ideia também de sentido da vida, de a gente não ter… eu não ter, eu digo por mim, porque cada um com a sua religião, então ok, mas eu não ter sentido nenhum, eu não ter significado nenhum, não tenho que vir aqui para fazer algo, então eu não sou nada. Então eu vim, vivi, morri, acabou, estou confortável. Estou feliz? Estou. Então está ótimo, então valeu a pena, sabe? Eu vejo bem a vida como uma viagem mesmo, passeio e foi. Só que, claro, para as religiões é isso e tem uma segunda viagem ali, e muitas vezes a segunda viagem dura para sempre. Mas para mim não, para mim essa viagem está boa, acabou. Ao mesmo tempo que a imortalidade me incomoda, a mortalidade para mim é reconfortante. Eu sei, perder parente é ruim, faz mal e tudo, mas isso porque eu estou aqui ainda vivo, mas, eu partindo, está ok, não vejo problema nisso, não vejo aquela coisa assim: “Não, tenho que…”, nem mesmo de manter a fama do legado social. Não quero, eu gosto de produzir conteúdo assim, então, que as pessoas ouçam, beleza, mas porque eu acho legal fazer isso, é gostoso fazer, mas não porque eu quero manter um legado. Já que eu também não quero ter filho, então não quero manter hereditariedade, coisa desse tipo, não quero voltar à vida necessariamente para ficar para sempre. Não faço questão disso. Me incomoda essa ideia de pensar que vai estar tudo acabando e eu vou estar aqui assim: “E aí?”. Vai chegar uma hora que… que nem a Nilda falou, alguns anos a mais aí, uns 200 anos, legal, maneiro, quero ver como vão estar as coisas, mas eu quero que uma hora pare, uma hora tem que acabar. Para mim, tudo tem que ter um começo, meio e fim.
Juliano Yamada: O famoso tchau e obrigado pelos peixes.
Leonardo: Exatamente. Para mim, é gostoso pensar na ideia da mortalidade, pensar que acaba. Sabe aquela série que toda hora renovam e a temporada já está uma droga, e aí você até que assiste, mas, tipo, você: “Porra, que merda”, sabe? Minha vida ia se tornar isso, uma temporada de “Porra, mais uma temporada”.
Nilda: Talvez uma hora fique esse tédio mesmo de série sempre sendo renovada. Mas eu lembrei de uma frase que eu escutei essa semana, que é que a gente só pode vencer a morte se a gente a enfrenta, e a única maneira de enfrentar a morte é morrendo.
Leonardo: Mas vocês possuem mais alguma consideração?
Nilda: Vivam a vida, aproveitem. Não se rendam ao medo e sigam em frente, que é a melhor maneira de enfrentar isso.
Leonardo: Vivam, porque um dia vocês vão morrer. Então viva.
[Trilha sonora]
[01:04:03]
(FIM)